"Bicicletas" mostra o jeito francês de fazer desenho

Estréia hoje a animação indicada ao Oscar As Bicicletas de Belleville, mostrando que há vida à margem da produção de empresas como a Disney e a Pixar

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Por Agencia Estado
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Indicado para o Oscar nas categorias de animação e canção original, As Bicicletas de Belleville é o primeiro desenho de Sylvain Chomet a estrear no Brasil. Chomet é consagrado autor de histórias em quadrinhos, mas seus álbuns, quase sempre em parceria com Nicolas de Crécy, também nunca foram editados no País. Está na hora de você descobrir esse autor tão jovem - nasceu em 1963 - quanto talentoso. As Bicicletas de Belleville estréia hoje num circuito que pode não ser extenso, mas inclui as salas cults de São Paulo (Espaço Unibanco, Arteplex, Bristol, Pátio Higienópolis e Market Place). Chomet precisa de pouquíssimo tempo para mostrar, no começo, o tédio do órfão Champion, que vive com a tia, Madame Souza. Ela lhe dá um cachorrinho de presente. O enfado continua. Titia descobre que o sonho do garoto é ter uma bicicleta. Ela lhe dá uma. Chomet não precisa de muito tempo para esculpir, a seguir, a passagem dos anos. A casa fica ilhada no meio da cidade, que cresce desmesuradamente. O cachorro engorda à força de comer demais e fazer exercícios de menos - são engraçados os planos do animal correndo para postar-se à janela e ver a passagem do trem. Nesta nova etapa de sua vida, Champion, sempre em companhia da tia, participa do Tour de France, uma grande corrida de bicicletas. Ele é seqüestrado pela Máfia e Madame Souza ganha ajuda não só do cachorro, o velho e fiel Bruno, mas também de três senhoras que integram uma bizarra banda de jazz, para localizar o sobrinho. Tal é a história de As Bicicletas de Belleville, mas a história é só um suporte para que Sylvain Chomet desenvolva seu thriller burlesco sobre relações e sobre, justamente, o inusitado e as formas como ele irrompe na vida cotidiana. O próprio fato de trabalhar com quadrinhos e com animação já é, para Chomet, um signo dessa opção pelo "diferente". Belleville não recebeu o Oscar - que foi para o sensacional Procurando Nemo -, mas você terá um prazer todo especial em assistir ao filme. É outra animação para o público adulto, mais até do que as do japonês Hayao Myiazaki. O recente A Viagem de Chihiro pode abordar o universo infantil, mas possui níveis de informação e complexidade dramática e visual, que o credenciam como diversão para adultos. Chihiro, que ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, não fez, nos cinemas brasileiros, o sucesso esperado pela distribuidora Europa. A expectativa é que Belleville encontre agora o seu público. A distribuição é da Pandora. Assim como é importante dizer quem é Sylvain Chomet, talvez seja necessário acrescentar que As Bicicletas de Belleville foi produzido pelos criadores de Kiriku e Príncipes e Princesas, os dois desenhos de Michel Ocelot que fizeram sucesso no circuito mais alternativo da cidade. Há vida à margem da produção de empresas como a Disney e a Pixar, que trabalham principalmente com as novas linguagens disponibilizadas pelo desenvolvimento tecnológico. O desenho de Belleville é mais tradicional, o que não quer dizer que seja acadêmico. O traço de Chomet liga-se muito à experiência dos quadrinhos, com sua beleza e acúmulo de informações. É interessante analisar o filme à luz das diferenças entre os sistemas americano e europeu de animação. Os desenhos, como os quadrinhos europeus, são essencialmente experiências autorais, de duplas. Um assina o desenho, outro, o texto. Com Chomet e De Crécy funciona assim. O álbum mais famoso dos dois, Léon-la-Came, ganhou o prêmio René Goscinny, em homenag em ao criador de Astérix, em 1996. É um estilo de quadrinho e, agora, de animação alternativo à hegemonia de Hollywood. Vale a pena acompanhar as aventuras de Champion, de Madame Souza, das velhinhas jazzistas e de Bruno. Um pouco de fantasia pode subverter a mediocridade do cotidiano - tema do megassucesso Amélie Poulain que Chomet retoma. Para melhor, você vai ver.

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