Em Cannes, no ano passado e em Cannes, de novo, neste ano, Bernardo Bertolucci confirmou que a noção de espaço é essencial em seu cinema. Ele já filmou a Cidade Proibida, em Pequim (Beijing) e o deserto – em O Último Imperador e O Céu Que Nos Protege. É um dos momentos inesquecíveis do cinema. O futuro imperador, ainda garoto, brinca com uma bola amarela. A câmera corre com ele por um corredor que desemboca numa escadaria. Levanta voo com a bola gigantesca. Bertolucci não inventou o 3D, mas já pensava em O Último Imperador em terceira dimensão.
Foi o que o repórter lhe disse no Festival de Cannes, em que a versão restaurada de O Último Imperador integrou a seleção de Cannes Classics. O filme agora é 3D. “Quando me propuseram a mudança, minha primeira reação foi negativa. Mas, depois, com o diretor de fotografia (Vittorio Storaro), vimos que ela seria perfeitamente viável. O filme ganhou nova roupagem. Quem sabe atingirá o público jovem que adora o hiper-realismo da terceira dimensão?’
No ano passado, o assunto era outro. Em Último Tango em Paris, seu clássico de 1972, Bertolucci já confinara a ação entre quatro paredes, seguindo Marlon Brando e Maria schneider naquele apartamento na capital francesa. Assédio Sexual, mais recente, com Thandie Newton, passava-se em outro apartamento, em Roma. Assim como curte os grandes espaços, Bertolucci adapta-se aos reduzidos. “Tudo depende da história”, ele disse no ano passado, ao apresentar sua adaptação do romance de Niccolò Amanitti, Io e Te. Com o título de Eu e Você, o filme estreia nesta sexta-feira. Passa-se quase todo num apartamento, mais exatamente, no porão em que se refugia o garoto da história.
Bertolucci não filmava ‘há séculos”, como diz. Na verdade, foram cerca de dez anos. Uma cirurgia malfeita (de coluna) confinou-o na cadeira de rodas. “Eu, que sempre gostei de mexer a câmera, virei um travelling ambulante”, ele brinca. Não brincava. Os primeiros anos de cadeirante foram complicados. Ele experimentou revolta, sofrimento. Não ajudava muito seu desgosto com a Itália de Sílvio Berlusconi. Mas, um dia, a vida veio. “Percebi que queria voltar a filmar. E não recusei o convite que eu mesmo me fazia.”