"Barra 68" estréia em São Paulo

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Por Agencia Estado
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Houve um momento, em fevereiro, em que Vladimir Carvalho esteve feliz da vida. Barra 68 havia recebido prêmios importantes no Festival de Brasília do ano passado - principalmente os da Câmara Legislativa do Distrito Federal e do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro. Ele sonhava colocar seu filme sobre a intervenção militar na Universidade de Brasília, em 1968, no circuito universitário. Seu plano era sair pelo Brasil com a cópia debaixo do braço, passando o filme nas salas integrantes do circuito normal de exibição, mas também queria mostrar Barra 68 em universidades, promover debates com estudantes. Esse era o sonho. Em fevereiro, Barra 68 integrou a bienal cultural da União Nacional de Estudantes, a UNE, no Rio. O interesse dos jovens foi grande. Carvalho, de 66 anos, se sentiu no céu, dialogando com o público que queria atingir. Em abril ou maio, por aí, o filme estreou em Brasília, de acordo com o projeto estabelecido pelo diretor. Depois estreou em Salvador, em Porto Alegre, sempre em pequenas salas do circuito alternativo. E aí Vladimir trombou com a greve da Universidade. Sem lideranças a quem recorrer, não conseguiu fazer os debates com os quais sonhava. Acha que Barra 68 caiu no vazio. O filme estréia amanhã em São Paulo, em plena Mostra BR de Cinema, quando a atenção do público jovem mais atilado, a ala ´cinéfila´, está mais voltada para as atrações do evento. Nem por isso ele deixa de ter expectativa na acolhida do público para o seu trabalho. Quando o filme concorreu em Brasília, em novembro, destacou-se a importância do projeto, mas foram feitas algumas objeções ao resultado. Carvalho mistura depoimentos e filmes de época para retraçar a história da Universidade de Brasília e os rumos que ela tomou após a intervenção do regime militar. Há emoção nos depoimentos, há imagens fortes nos filmes que o diretor conseguiu localizar, mas Carvalho, às vezes, dá a impressão de não acreditar suficientemente no que as imagens e as falas dizem. No afã de chamar a atenção do espectador para fatos relevantes, ele introduz um narrador que reitera aquilo que já foi dito. O filme se torna redundante. Carvalho ouve a objeção, mas não concorda muito com ela. Acha que isso só ocorre uma ou duas vezes dentro do filme e nunca, em nenhum lugar do Brasil onde Barra 68 já tenha sido exibido, ele ouviu do público o mesmo tipo de recomendação. Paraibano, Carvalho - que é irmão do grande diretor de fotografia Walter Carvalho, de Lavoura Arcaica e Abril Despedaçado -, já nasceu de esquerda, como gosta de dizer. O pai era um militante radical, a política sempre fez parte da vida da família. Mais tarde, Carvalho foi assistente de Eduardo Coutinho quando ele começou a rodagem de Cabra Marcado para Morrer. É um filme mítico na história do cinema brasileiro. Inicialmente concebido como obra de ficção, a rodagem foi interrompida pela repressão instalada no País após o movimento militar de 1964. A produção foi retomada 18 anos mais tarde, em chave documentária. Carvalho integrava, de novo, a equipe. Ele próprio fez cerca de 20 filmes, incluindo um que é considerado clássico: Conterrâneos Velhos de Guerra, sobre a presença de trabalhadores na construção de Brasília. Desde o começo dos anos 70, Carvalho mora em Brasília. Em 1995, colheu um grande depoimento de Darcy Ribeiro, no qual ele falava muito sobre o sonho que levou à fundação da Universidade de Brasília. Não foi um projeto fácil, o de Ribeiro. O próprio Juscelino Kubitschek não queria essa Universidade. Não queria também fábricas na cidade que seria chamada "da esperança". JK não queria operários nem estudantes em Brasília. Mas Darcy Ribeiro perseverou. Criou a universidade, que virou um núcleo de inteligência e, logo após o golpe militar de resistência. Da ótica da classe dominante, era preciso calar a UnB. O depoimento de Ribeiro impressionou Carvalho. E quando ele ganhou, "de herança", alguns filmes com imagens da ocupação - os soldados entrando armados no câmpus, os estudantes confinados na quadra de esportes, como anos mais tarde, no Chile os que se opuseram ao golpe que derrubou Salvador Allende foram mandados para o Estádio Nacional, palco de tantas atrocidades -, tudo isso estimulou nesse brasiliense por adoção e vontade o desejo de fazer o filme. Seu projeto é duplo. Devolver um projeto político aos estudantes brasileiros, hoje acusados de omissão e consumismo. Carvalho acha que não. Ele sente, de parte dos jovens, uma imensa vontade de informação e discussão que não é estimulada no mundo globalizado. O outro desejo é transcender a política e a ideologia para chegar à poesia. O documentário, segundo Vladimir Carvalho, tem de ser poético ou não é.

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