Ator português atua em "Brava Gente Brasileira"

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Por Agencia Estado
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O ator português Diogo Infante confessa ter desembarcado no Brasil para filmar Brava Gente Brasileira com as mesmas idéias de um colonizador: desconhecia a exuberância de uma floresta tropical e índios, para ele, eram aqueles seres que aparecem nos filmes de caubóis americanos. "Sofri o mesmo impacto que meu personagem ao me deparar com aquele ambiente e sua tribo", conta o ator, que representa o cartógrafo Diogo de Castro e Albuquerque, contratado para realizar um amplo mapeamento da região do Pantanal. "Mas, como estamos vários séculos à frente, a minha surpresa foi mais agradável." Ator consagrado em Portugal, onde interpretou desde clássicos de Shakeaspeare (Rei Lear) até autores contemporâneos como Manuel Puig (O Beijo da Mulher Aranha) e Harold Pinter (O Amante), Infante voltou ao Brasil especialmente para o lançamento do filme e foi em São Paulo, na última segunda-feira, que assistiu pela primeira vez ao longa-metragem. "Foi emocionante acompanhar a sensibilidade que a diretora Lúcia Murat conseguiu imprimir em uma história tão forte sobre choque de culturas." O ator conta que foi idéia da realizadora evitar uma pesquisa prévia sobre aquele momento histórico do século 18. Assim, a sua própria surpresa trouxe frescor ao filme. O cartógrafo Diogo Albuquerque acredita no bom selvagem e na possibilidade de integração entre os índios e os colonizadores. Ao ser desafiado a estuprar a índia Anote, porém, violência que acaba consumando, percebe que seu idealismo está distante da realidade. "A cena é muito forte e confesso que pensei em não fazê-la", revela o ator. "Mas, se não deixa de ser brutal, também permite mostrar o impacto do choque cultural." Infante maravilhou-se com a atuação dos índios kadiwéu, descendentes dos guaicurus, que aceitaram representar mesmo sem nunca ter visto um filme no cinema. "Eles conferiram uma grande dignidade ao trabalho, principalmente nas cenas mais violentas, como a do padre, representado por Sérgio Mamberti, que é desnudado e obrigado a andar em posição submissa, cercado pelos índios a cavalo", afirma Infante, elogiando também o trabalho do preparador do elenco indígena, o ator Murilo Grossi, que se desdobrou para conseguir o máximo de naturalismo dos cadivéu. Como em uma cena dramática, que figurava no roteiro: o índio acompanharia, revoltado, a chegada do corpo da filha, estuprada e morta pelos colonizadores. No set, porém, os kadiwéu não continham as gargalhadas - ao desconhecer completamente a arte de representar, eles não aceitavam como morta a menina deitada, mesmo com o disfarce dos olhos fechados. "Foi preciso descobrir um motivo realmente forte que conduzisse a emoção de todos", conta Grossi. Dois dias depois, as câmeras de Lúcia Murat gravaram uma das mais belas imagens de "Brava Gente Brasileira": o discurso emocionado do pai de Anoã, a índia assassinada. Transtornado e golpeando o solo com o tacape, William Soares, o mais autêntico dos atores cadivéus, improvisou um emocionado discurso em sua língua, em que prometia não mais caçar ou dançar enquanto não vingasse a morte de Anoã. Surpresa e sensibilizada com a reação, a equipe aplaudiu o índio ao final da cena. "Eu mesmo não contive as lágrimas", confessa Grossi, que conseguiu tal interpretação ao rememorar um episódio muito caro a Soares: a morte de sua irmã. "Confidencialmente, pedi para ele exibir a mesma revolta que sentiu quando perdeu o parente tão querido." Murilo Grossi dividiu-se em Brava Gente Brasileira: além de orientar os kadiwéu, atuou como Alfonso, ex-jesuíta espanhol que vive com os índios, adaptando-se ao mundo novo com uma teologia própria em que mistura os dogmas cristãos com algumas lendas indígenas que justificam sua vida híbrida. O ator tem experiência na arte da preparação, graças aos conhecimentos tanto de dramaturgia (atua há 20 anos) como de sociologia e antropologia, cursos que não concluiu. O trabalho foi árduo com os kadiwéu, únicos descendentes dos índios cavaleiros e que vivem em uma reserva no Pantanal. A primeira barreira a derrubar era justamente a incredulidade dos índios com a ficção cinematográfica. Grossi foi obrigado a descobrir artíficios para que eles se adaptassem a um ambiente de filmagem, como evocar sua tradição guerreira. "Todos mantêm com orgulho suas origens e, por isso, perceberam a importância de participar do filme para recuperar a si próprios como um povo." Para conquistar a confiança dos índios, Grossi contou com o inestimável auxílio de um deles, Hilário da Silva, que interpreta o cacique. "Ele foi nosso diplomata na tribo, abrindo caminhos em meio à desconfiança geral e fornecendo detalhes preciosos, como a melhor maneira de se comportar e detalhes da língua que nos escapavam." O primeiro contato com o idioma revelou sua complexidade: os kadiwéu têm formas distintas de expressão para homens e mulheres. Uma frase dita por um guerreiro, por exemplo, é completamente modificada quando falada por sua mulher, apesar de o sentido ser rigorosamente o mesmo. "A estrutura e a lógica de encadear as palavras são diferentes", conta o ator, que só aprendeu expressões básicas.

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