01 de dezembro de 2019 | 07h00
Há quatro anos, quando concorreu no Festival do Rio, Aspirantes já era um bom filme. Algo se passou, porque agora, embora o formato continue pequeno, cresceu enormente. O segredo está nas cenas viscerais, na falta de conclusão do relato, que deixa o espectador com uma interrogação. E agora? O que vai acontecer com Júnior, com Bento, com Karine? São os personagens de Ariclenes Barroso, Sérgio Malheiros, Júlia Bernat. Júnior e Bento são os aspirantes do título. Jogam num time de várzea, sonhando com a carreira no futebol. Karine, a namorada de Júnior, está grávida. Ele está feliz, mas preocupa-se. Bento, também. O que você fez, moleque? O filme estreou na quinta, 28.
O diretor Ives Rosenfeld e seu parceiro no roteiro, Pedro Freire, constroem o filme – de pouco mais de 70 minutos – por meio de poucas cenas. Durante boa parte delas, Júnior está em movimento, no campo de futebol. E ali já se desenha o problema. É individualista, segura a bola, não finaliza como Bento. Quando a torcida reclama, fica esquentado, briga.
Como diretor, Rosenfeld é minimalista. Filma Júnior deitado, em diferentes circunstâncias, mas o ângulo é sempre o mesmo. O encontro da parede com o teto. A casa pobre, sem forro, onde ele vive de favor. A casa da namorada, onde é acolhido, e que tem forro, mas um tanto gasto. O vestiário do clube, despersonalizado. Durante todo o tempo, a câmera parece que vai encurralar Júnior. Sorridente no início, ele passa a contrair a mandíbula. Algumas cenas são exemplares na erupção do drama. Karine briga com a mãe, interpretada por Karine Teles, de Benzinho.
A mãe cobra atitude da filha e do genro, diz que já fez besteira e não quer repetição. Karine encrespa-se. O bate-boca é áspero, Júnior só olha. Depois, a cena é com Bento. Júnior, colocado no time reserva, e tentando mostrar serviço, é duro com o amigo. Bento cobra dele. Estão na estrada, esperando ônibus. O destempero é verbal, mas rola uma agressão física que termina em acidente grave. E a terceira cena é com Karine. Discutem, Júnior e ela. Ele a empurra, a olha com ódio.
O que mais impressiona em Aspirantes é a construção desse ódio. Começa como uma revolta surda, em campo. Acuado, Júnior passa a liberar sua raiva, a dirigi-la contra todos. Só que, num efeito bumerangue, ela volta contra ele. Embora não exista nenhum contexto aparentemente político no filme, Aspirantes é contemporâneo das manifestações que culminaram no impeachment. A polarização – o ódio – foi radicalizado no processo eleitoral, deu no que deu. Aspirantes termina sendo um espelho do que estava ocorrendo no Brasil. Júnior vira emblema de um sentimento de frustração nacional.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.