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"As Virgens Suicidas", de Sofia Coppola

Filha de Francis Ford Coppola estréia bem na direção de um filme que conta um drama familiar: a história de cinco irmãs eu se matam numa cidade americana dos anos 70, baseado no romance de Jeffrey Eugenides

Por Agencia Estado
Atualização:

Na entrevista que deu na terça-feira, Sofia Coppola disse o que a atraiu no romance de Jeffrey Eugenides, As Virgens Suicidas. Além de bem escrito, o livro sobre cinco irmãs que se matam numa cidade americana, nos anos 70, revela a face doente da América. O filme estréia nessa sexta-feira, em São Paulo. Já está em cartaz no Rio. Fica inicialmente nessas duas cidades, antes de percorrer, sempre com poucas cópias, as demais capitais brasileiras. É um bom, um belo filme. Aparentemente, não resolve o enigma - por que se mataram as virgens? Não é o que importa. No livro, como no filme, o enfoque está no efeito que esse suicídio coletivo provoca nos rapazes que cortejavam as virgens, que gravitavam em torno delas com a promessa de realização dos seus sonhos de rito de passagem. Eles amadurecem não pelo sexo, mas pela tragédia. E o filme, afinal de contas, resolve o enigma. O que provoca a morte não é nada especificamente e é tudo - essa América provinciana, que vivia de fachada e professava valores puritanos, para não dizer repressores. A família como uma instituição repressora. Pai e mãe, interpretados por James Woods e Kathleen Turner, impõem severos limites ao desenvolvimento afetivo e sexual das filhas. Há uma doença social em As Virgens Suicidas. É a mesma cujas raízes encontram-se em Vida em Família, o clássico que Ken Loach realizou baseado em R. D. (de Ronald David) Laing, numa linha que se prolonga e chega também a Bicho de Sete Cabeças, o admirável filme de Laís Bodanzky que já foi exibido no Festival do Rio BR-2000 e na Mostra Internacional de Cinema São Paulo, devendo concorrer, na próxima semana, no Festival de Brasília. A doença é social, a família é repressora, mas de novo isso não explica tudo. Há fatores imponderáveis e que remetem à fragilidade pessoal, à morbidez, ao que há de influenciável nessa fase tão delicada da vida, que é a adolescência. Vale insistir na influência de Laing. Representante daquilo que se chama de antipsiquiatria - e alguns consideram a definição apressada e até inadequada -, esse escocês levemente alcoólatra e profundamente místico virou a psiquiatria tradicional pelo avesso ao relacionar intimamente a doença mental à desordem das sociedades modernas. Para os antipsiquiatras (além de Laing, David Cooper e Franco Bosaglia), o esquizofrênico é produto de sua família, mas também, e principalmente, fruto da sociedade doente. É um filme complexo, não perfeito, mas muito interessante. Há essa América idílica, com suas casas situadas em jardins arborizados, numa representação do que parece ser o paraíso. Um paraíso material, só se for. Nele se imiscui a serpente. Demole-se a fachada para revelar o que há por trás dessa aparência de normalidade, de equilíbrio. A estabilidade da família americana de classe média rui como castelo de cartas. Algumas das melhores cenas seguem-se ao primeiro suicídio, que antecipa os demais. Pai e mãe, as irmãs, todos tentam seguir adiante, como se nada tivesse ocorrido. Certas crispações nervosas de Kathleen Turner, uma maneira enviesada de olhar, de morder o lábio, de retesar as mãos, tudo isso revela, com muita sutileza, o que as palavras não precisam, ou não ousam, dizer. Críticas cruéis - Sendo uma estreante na direção, Sofia Coppola não é uma estreante em cinema. Trabalhou como atriz com o pai, Francis Ford Coppola, em O Poderoso Chefão 3 - e quase foi queimada pelos críticos, que tentaram, por meio dela, atingir seu pai. Poucas atrizes foram tão humilhadas, vilipendiadas. Sofia tinha só 18 anos. Foi duro, ela disse na entrevista, mas também positivo. Fortaleceu-a para a arte - e a vida. Ela também escreveu o episódio que seu pai dirigiu para Histórias de Nova York. Casou-se com o também cineasta (e talentoso) Spike Jonze, de Quero Ser John Malkovich. O pai e o marido deram-lhe todo apoio para que se tornasse diretora. Apoiaram-na, mas também a incentivaram a fazer o filme que queria, do jeito que queria, sem interferir em nada. E surgiu As Virgens Suicidas. Exibido fora de concurso no Festival de Cannes do ano passado, foi com apreensão que críticos e jornalistas de todo o mundo chegaram ao local de projeção, muitos (a maioria) ressabiados pela experiência anterior de Sofia como atriz. Na saída, não se pode dizer que ela estivesse consagrada. Não é um grande filme, mas é uma daquelas obras que certamente fogem ao ramerrão do cinema comercializado de Hollywood. Sofia Coppola tem algo a dizer. É bom começar a prestar atenção nas imagens que ela produz. Pode estar nascendo uma autora. As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides). Drama. Direção de Sofia Coppola. EUA/99. Duração: 98 minutos. 16 anos

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