'As Duas Irenes', que venceu o prêmio da crítica em Gramado, fala de famílias múltiplas

Longa dialoga com 'Como Nossos Pais', também premiado no festival

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Durante suas pesquisas para a realização de As Duas Irenes - seu longa que estreia nesta quinta, 14 -, o diretor e roteirista Fábio Meira descobriu o caso de um homem com duas famílias e 11 filhos em cada uma, todos com os mesmos nomes. “É muito mais comum do que se pensa. E não é nenhuma perversidade. Tem mais a ver com praticidade. Assim, o sujeito pode ter certeza de que não vai se entregar errando os nomes.” As Duas Irenes conta a história de garotas filhas do mesmo pai. Marco Ricca é quem faz o papel. Foi melhor ator coadjuvante em Gramado, em agosto. “Para a gente foi uma surpresa”, explica o diretor. “A produção o havia credenciado para o Kikito de ator; o júri é que entendeu que o papel era de coadjuvante.” Foi justamente um dos aspectos controversos da premiação de Gramado - Paulo Vilhena, que venceu como melhor ator, é claramente coadjuvante na história de mãe e filha de Como Nossos Pais, o belo longa de Laís Bodanzky que está fazendo expressivo sucesso de público. Não deixa de ter havido uma inversão, mas o importante é que os dois atores são bons, em papéis que exigem deles. As Duas Irenes venceu o prêmio da crítica. “E essa foi outra surpresa. Ficamos muito contentes”, diz Meira. O ‘nós’ inclui a produtora Diana Almeida.

Irmãs. Protagonismo feminino, tema de destaque na sociedade que tem repercutido nos filmes Foto: Vitrine Filmes

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As Duas Irenes, portanto, conta a história dessas duas garotas, de famílias diferentes, filhas do mesmo pai. Isabela Torres e Priscila Bittencourt são as intérpretes. Foram escolhidas num processo de casting que envolveu cerca de 250 garotas. Dessas, restaram 25, que participaram de oficinas na etapa final de seleção. “Já tinha minhas candidatas, e eram elas, mas precisava estar certo de que haveria interação.” Não apenas entre elas - com Ricca, também. Afinal, ele é o pai, e ambas disputam sua atenção. “Marquei um jantar das duas com o Marco. Não sei nem como se passou, mas na volta o Marco já trazia uma delas na garupa e a outra vinha abraçada. Bem paizão”, conta o diretor.

É o primeiro longa de Fábio Meira, cineasta goiano de 38 anos que antes dirigiu curtas, e um deles chama-se Dolores. Os nomes de mulheres, no título, já revelam alguma coisa. “Fui criado numa família com muitas mulheres, e fortes. Elas foram fundamentais na minha formação. Acho natural que, como consequência, eu me interesse pelo universo feminino. Quanto aos títulos, gosto de ser objetivo, indo direto ao ponto.”

Em fevereiro, As Duas Irenes integrou a mostra Generation do Festival de Berlim. Em agosto, venceu quatro prêmios no Festival de Gramado - melhor ator coadjuvante, para Marco Ricca; roteiro, para o próprio diretor Fábio Meira; e direção de arte. Houve um quarto Kikito, e foi o de melhor filme para a crítica. Meira é goiano. Sua família tem muitas mulheres e, aos 13 anos, ele descobriu um segredo familiar. Seu avô tinha duas filhas com o mesmo nome - umas delas fora do casamento. A tia de Meira nunca quis conhecer a meia-irmã. A história ficou gravada no seu inconsciente e, aos 30 anos, ele começou a escrever o roteiro.

Foram sete anos para colocar a história das duas Irenes na tela. “E na minha cabeça essa história já começou pelo fim. Queria que terminasse desse jeito”, ele conta, mas pede. “Cuidado com o spoiler, porque em toda parte onde tenho mostrado o filme (Berlim, Gramado, o Cine BH) o impacto do desfecho é decisivo para a empatia do público.” Já que o fim é interdito, pode-se, de qualquer maneira, contar o começo. O filme inicia-se com uma das Irenes com uma pedra na mão - e que ela lança contra a casa da outra Irene. Gramado, neste ano, foi polarizado (o festival) pela discussão da representatividade. Mulheres (Como Nossos Pais), afrodescendentes (Cabelo Bom), trans (A Gis). As Duas Irenes, de certa forma, mostra o gérmen do feminismo de Como Nossos Pais. As atrizes Isabela Torres e Priscila Bittencourt deram entrevista esta semana no Facebook do Cultura Estadão. ‘Pri’ - como a chama Isabela - veio ao Brasil especialmente para o lançamento. 

O filme está sendo lançado em cerca de 30 salas de todo o Brasil no projeto Vitrine Petrobrás. “É importante destacar que os ingressos são mais baratos, R$ 12 e R$ 6. Para um filme que fala sobre adolescentes e tenta dialogar com esse público, o ingresso econômico pode ajudar”, diz o diretor. Pri estuda atualmente na Califórnia. Pretende seguir carreira na interpretação. E já se enturmou por lá. “É cheerleader”, conta Meira. Só mesmo o olho do diretor. Na vida, Isabela é tímida, ensimesmada. Priscila é mais solta, comunicativa. Na tela, Meira inverteu os papéis. Pri faz a Irene mais calada. Durante boa parte do filme, o espectador pergunta-se sobre o que aquela garota está pensando. A mesma pergunta pode ser feita a propósito do pai interpretado por Marco Ricca.

Ele é taciturno, quase não fala. O filme é feito de muitos silêncios. “Desde o roteiro o filme se desenhou desse jeito para mim. O universo interior dessas pessoas é muito forte. A Irene da Priscila quase não fala, deixa muitas perguntas que lhe fazem no filme sem resposta, mas por dentro está fervendo. É um vulcão. Eu queria que o pai também tivesse essa contenção. O Ricca acrescentou muito ao personagem.” Meira filmou em Pirenópolis, por coincidência na mesma casa do curta Dolores. “Precisava daquelas locações, a cachoeira e o cinema.” Cenas fundamentais passam-se na cachoeira, onde as Irenes observam os garotos, e no cinema, onde trocam carícias com eles. “Embora seja uma história muito íntima, depende muito do entorno. Por isso usei o formato Scope, para que o mundo entrasse na vida das Irenes.” Houve todo um trabalho da fotografia com a direção de arte, construindo as casas das Irenes.

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Não apenas - “O filme teve muita preparação corporal. Priscila tem formação de bailarina, está acostumada aos gestos largos. Então foi preciso todo um trabalho de contenção. Cortei o cabelo delas, mudei a cor. A Isabela me perguntava - ‘Por que você está fazendo isso? Porque simplesmente não inverte o papel da gente?’ No final, as duas perceberam o que eu estava querendo. E, depois, queria muito fazer o filme com a Inês Peixoto, do Grupo Galpão. A Isabela é muito parecida com ela, tinha de ser sua filha. Um dos meus prazeres nesse filme foi o elenco. O Ricca, as meninas, a Inês, a Teuda Bara, também do Galpão, a Susana Ribeiro. Houve uma interação muito bonita e esse elenco fantástico superou minha expectativa.”TRÊS PERGUNTAS PARA INÊS PEIXOTO

1. Como esse papel chegou para você, grande atriz de teatro e TV?

O Fábio (diretor) tinha me visto no teatro, com o Galpão, e disse que tinha um papel de ‘outra’ para mim. Achei que poderia ser uma delícia, e foi.

2.Gramado discutiu muito a questão da mulher, e o Ricca faz um machista. Como você vê a situação?

Acho que a Neusa sabe de tudo. Mas sua casa é o espaço do sexo, da música, da unha pintada. Tem muita vida ali.

3. Teuda Bara, outra atriz mítica do Galpão, está no filme. Como foi?

A gente tem essa convivência grande no grupo, mas no filme não contracenamos. Nunca estivemos juntas no set. O Fábio filmou primeiro uma casa, depois a outra. Foi um filme feito com coração.

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