Arnaldo Jabor relança <i>Tudo Bem</i> e <i>Eu Sei Que Vou te Amar</i>

Cineasta corrigiu falhas da fotografia de Tudo Bem com tecnologia digital de ponta

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Por Agencia Estado
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Arnaldo Jabor recebe o repórter em seu apartamento nos Jardins para falar do duplo relançamento de Tudo Bem e Eu Sei Que Vou te Amar nos cinemas e da chegada ao mercado de uma certa caixa de DVDs da Versátil. "Vou te dar toda a minha obra", ele diz e estende a caixa com os sete DVDs que contêm toda a sua produção audiovisual, menos a produzida como jornalista na Rede Globo. Parece pouco, considerando-se que a obra de autor do cineasta vem dos anos 60. Mas ali estão o curta O Circo e o documentário de média-metragem A Opinião Pública, de 1965 e 67; Pindorama, de 1970; Toda Nudez Será Castigada, de 1973; O Casamento, de 1975; Tudo Bem, de 1978; Eu te Amo, de 1980; e Eu Sei Que Vou te Amar, de 1984. Caixa com obra completa Todo Jabor? A obra completa inclui o filme que ele fez fora do Brasil, em 1990, e nunca foi lançado no País, mas integra agora as atrações que a sua gloriosa caixa oferece - Amor à Primeira Vista. Com exceção de Pindorama, alegoria sobre a história do Brasil, a obra de Jabor contempla a classe média, como objeto de estudo sociológico no documentário A Opinião Pública, ou fonte de dramaturgia nos longas adaptados de Nelson Rodrigues e nos que compõem a trilogia entre quatro paredes. Trilogia? "Não acho que estes filmes componham uma trilogia. Esta é uma definição pela qual não me sinto responsável." Para ele, não existe muita coisa em comum entre Tudo Bem, Eu te Amo e Eu Sei Que Vou te Amar. "O primeiro é um mergulho na representação do Brasil, uma paródia da alegoria, que eu assumi como tal. Os dois últimos, sim, estão mais ligados. Compõem um painel psicanalítico." Confessa que se analisa há décadas. "Sem análise, estaria louco", diz. Jabor tinha 22 anos e já era jornalista. Substituía Paulo Francis como crítico de teatro. Um dia, comentou com Cacá Diegues que lhe faltava um projeto de arte e vida. Cacá sugeriu - "Por que você não faz cinema?" Jabor fez o lendário curso de cinema que o sueco Arne Sucksdorff deu no Rio. Virou diretor. O primeiro longa de ficção era horroroso, ele admite. Primeiro longa, horroroso Pindorama exagera nas alegorias que davam o tom do Cinema Novo, quando os diretores, até como forma de driblar a censura, faziam filmes que expunham seu pensamento de forma figurada. O Cinema Novo representa uma coisa para dizer outra. Queria ser épico para falar de amor, de revolução, do País. Era uma coisa idealizada, romântica, Jabor reconhece hoje em dia. Anos mais tarde, ao concentrar os problemas do Brasil no apartamento em reforma de Tudo Bem, Jabor sentiu que tinha de parodiar aquele gosto pela Alegoria. "O filme é muito esquemático, mas isso foi uma coisa consciente. Quis trabalhar com arquétipos. Tem a empregada boa e a prostituta. Tem os três fantasmas, o capitalista empreendedor, o integralista e o romântico." Tem aquele elenco maravilhoso, com Paulo Gracindo e Fernanda Montenegro (a Fernandona) à frente Tudo Bem foi o filme que ele pôde realizar, não o que gostaria de ter feito. Este está sendo resgatado agora. "Não tinha dinheiro e a fotografia, por exemplo, ficou muito aquém daquilo que a gente se propunha" - "a gente" engloba o grande diretor de fotografia Dib Lutfi. Graças à parceria da TeleImage e da tecnologia digital de ponta da empresa, Jabor conseguiu "corrigir" a fotografia de Tudo Bem e até reenquadrar o filme. "É uma loucura", ele define. "Podem-se fazer movimentos de câmera dentro da imagem existente." Este futuro já estava anunciado em Tudo Bem, mas, na época, Jabor criticava o que hoje pratica. No fim do filme, o gringo interpretado por Paulo César Pereio vem vender seus satélites com o claro objetivo de dominação. Hoje, Jabor recorre ao satélite para fazer a exibição digital de Tudo Bem nos cinemas. "Não existe mais a cópia física, em película do filme. O disco digital pode ser operado a distância para várias capitais." Alegoria marca filme Seu entusiasmo pelo filme aumentou, mas ele faz a ressalva - "Acho que o público jovem tem dificuldade de assimilar a alegoria como forma de representação da realidade. Neste sentido, temo que o filme tenha ficado um pouco datado." Teme - mas o repórter coloca sua observação em xeque ao comentar a reação da platéia de jovens que assistiu a Tudo Bem na recente Mostra Internacional de Cinema. Eles captavam tudo - a ironia, a crítica. Os jovens também têm sido o público preferencial de Eu Sei Que Vou te Amar, que teve 5 milhões de espectadores nos cinemas - é o maior sucesso de Jabor - e ganhou uma versão teatral que volta e meia ganha leituras dramáticas, se não exatamente montagens. "Tem uma coisa em Eu Sei Que Vou te Amar que fala muito aos jovens, uma visceralidade, um radicalismo", avalia. Na época, ele conta que estava sem dinheiro para fazer filme nenhum e ainda saindo de um casamento que o arrebentou emocionalmente. "Toda ruptura amorosa é difícil", diz. Em conversa com Jorge Pellegrino, que hoje dirige a United Pictures International, a UIP do Brasil, e na época estava na Embrafilme, ele disse que só teria condições de fazer um filme bem barato, com duas pessoas. "E por que não faz?", perguntou Pellegrino. Eu Sei Que Vou te Amar começou assim. O próprio elenco veio num estalo. Jabor confessa que chegou a testar outras atrizes. "Mas tinha visto o Inocência (de Walter Lima Jr.), que é um filme do qual gosto muito. Achava a Fernandinha (Fernanda Torres) sensacional. Me veio a idéia - por que não transformar a inocente em indecente? Queria fazer o filme com ela e o Edson Celulari, mas ele não podia, e foi aí que pensei no Thales Pan Chacon, que havia visto em ´Chorus Line´, do Walter Clark." Da alegoria do Brasil para os problemas do casal - gritados por Fernanda e Thales com a mesma intensidade com que fazem amor. "É o meu filme mais maduro, o mais bem realizado", garante o diretor. Tudo isso não lhe dá vontade de voltar a filmar? "Tenho um projeto que ainda não sei se vai virar filme ou livro. Quero fazer alguma coisa memorialística, como Amarcord (de Federico Fellini) e Eu me Lembro (de Edgar Navarro). Não tenho muita paciência para levantar recursos, essas coisas. Mas quero voltar a filmar, só não sei se ainda será desta vez." É uma certeza tão grande como outra que ele manifesta. "Quero ter mais tempo para mim, mas também quero continuar jornalista. Meu sonho é morrer no computador, produzindo." Eu Sei Que Vou te Amar (Brasil/1986, 115 min.) - Drama. Dir. Arnaldo Jabor. 18 anos. Cotação: Ótimo Tudo Bem (Brasil/1978, 110 min.) - Drama. Direção de Arnaldo Jabor. 18 anos. Cotação: Ótimo

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