Ariano Suassuna, diversidade cultural encarnada

No Cine Ceará, o escritor defende a produção cultural brasileira com um show de oratória e de slides que revelam o colorido das casas populares, para tratar do tema "a cor na arquitetura"

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O escritor defende a produção cultural brasileira com um show de oratória e de slides que revelam o colorido das casas populares, para tratar do tema "a cor na arquitetura" Foi um show à parte a palestra de Ariano Suassuna no Seminário sobre a Diversidade Cultural, programado em paralelo com o 16.º Cine Ceará, que este ano apresenta produções brasileiras e ibero-americanas. Durante duas horas, Suassuna manteve a atenção de uma platéia composta de centenas de jovens, estudantes da Unifor (Universidade de Fortaleza). Brincou, contou causos e piadas, discorreu com erudição sobre várias artes e fustigou seus inimigos de sempre - o imperialismo norte-americano, em especial no âmbito cultural. "Para que trazer lixo importado, se temos o nosso próprio aqui?", se pergunta. O cineasta Geraldo Moraes apresentou o palestrante de maneira adequada. Disse que aquele era um seminário para discutir aquilo que nos diferencia dos outros e "Ariano é, ele próprio, a diversidade cultural". Ele a encarna. E como. Suassuna fez uma longa palestra para apresentar um tema em aparência dos mais especializados - a cor na arquitetura brasileira. Mostrando slides, Suassuna se encantava com o colorido das casas populares no interior do Brasil. "Eles têm a coragem da cor, enquanto os arquitetos diplomados vêm me dizer que cores assim não podem se misturar". Para ele, o contraponto à vocação colorida do Brasil é a arquitetura de Brasília, "uma cidade pálida". Diz que não pretende morrer, pois não é bom negócio, mas se um dia for surpreendido pela "morte caetana", que é como o caboclo chama a indesejada das gentes, espera que não seja em Brasília - "lá deve haver o mais desconfortável dos cemitérios, sem nenhuma cor". Movimento armorial - base de uma arte erudita com raízes populares Suassuna lembra que seu movimento armorial - base de uma arte erudita com raízes populares - se ampara nos folhetos da literatura de cordel. "Pois bem, essas casas do homem comum brasileiro deveriam ser para o arquiteto aquilo que os folhetos do cordel são para mim - modelos e fontes de inspiração". O palestrante divaga, vai para lá e para cá, conta anedotas e faz digressões, mas o eixo do seu pensamento está expresso nessa recomendação aos intelectuais. Na concepção de Ariano, há dois brasis, bem diferentes, o Brasil oficial e o Brasil real, distinção que ele empresta de Machado de Assis. "O Brasil real é bom; o Brasil oficial é caricato e burlesco", diz, na bucha. E confessa: "Todos nós, e eu também, fomos formados no Brasil oficial; foi preciso uma longa desaprendizagem, uma grande reflexão para me livrar dele e entender que eu tinha de ficar do lado das pessoas do Brasil real", diz. Quer dizer, da gente do povo. Suassuna dá um exemplo radical. Tem Euclides da Cunha na conta de um patrono, de um ídolo, mas aponta erros de interpretação do autor de Os Sertões. Ele pinta o Antonio Conselheiro como se fosse um ignorante, analfabeto, e isso ele não era; "o Conselheiro tinha a sabedoria profunda do povo brasileiro, mas o letrado Euclides não conseguia enxergar". Mais: "Euclides viu a igreja de Canudos e achou feia. Escreveu que era de um gótico rude e imperfeito. Mas a igreja era românica e não gótica, e ele não via isso." O ápice da criatividade popular segundo Suassuna se encontra no "homem do povo" Gabriel Joaquim dos Santos, tido como louco em São Pedro da Aldeia (RJ), onde construiu a Casa da Flor, com restos de materiais. "Esse é o maior arquiteto do Brasil, comparável apenas a Gaudí", afirma. A Casa da Flor é de fato uma explosão de criatividade delirante e barroca, de uma estranha beleza. Suassuna leu um texto de Gabriel, no qual esse "arquiteto primitivo" diz que a Casa da Flor é "feita de pensamento e sonhos, é feita de cacos". Ariano conclui dizendo que aspira, humildemente, para a sua obra literária o mesmo que Gabriel para a casa que passou a vida a construir. "Uma obra de pensamento e sonho, feita de um material de construção que outros desprezam e jogam no lixo." Como acontece com todos os utopistas, pode-se ou não concordar com Ariano. Pode-se concordar com parte do que ele diz e discordar do resto, como quando condena sem apelação qualquer tipo de manifestação musical estrangeira como o rock ou o funk. Mas não se pode negar aquilo que suas idéias têm de generoso e estimulante. Esse utópico consciente fala o que sonha para o Brasil. "Até agora todos os países privilegiaram ou a justiça ou a liberdade, de forma excludente; sonho com um país que seja livre e justo ao mesmo tempo", diz. E quem não sonha?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.