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Apostas em Veneza vão para "Vera Drake"

As projeções para a premiação da 61ª edição do Festival de Veneza, que será anunciada hoje à noite no teatro La Fenice, indicam a preferência por Vera Drake, de Mike Leigh

Por Agencia Estado
Atualização:

Os últimos filmes mostrados - O Intruso (França), Café Lumière (Japão) e Haryu Insaeng (Coréia), que os italianos traduziram por Montado no Tigre - não devem alterar as projeções para a premiação da 61ª edição do Festival de Veneza, que será anunciada hoje à noite no teatro La Fenice. Segundo os analistas, os troféus devem ficar entre poucos candidatos: Vera Drake, de Mike Leigh, A Terra da Abundância, de Wim Wenders, As Chaves de Casa, de Gianni Amelio, e Binjip (Casa Vazia), de Kim Ki-Duk. Este último caso é o mais curioso. Entrou como "filme-surpresa" e não estava nem mesmo no catálogo. Segundo o diretor Marco Müller, Casa Vazia ficou pronto na última hora mas os selecionadores gostaram tanto dele que resolveram incluí-lo como o 22º concorrente. É brilhante em sua simplicidade e rigor. Correndo por fora, pode ganhar, coroando assim a cinematografia coreana, atual moda no mundo do "cinema de autor". O que não tem a menor chance de ganhar seja o que for é o seu compatriota Montado no Tigre, do experiente Im Kwon-Taek, que ambienta uma história de gângsteres na Coréia dos anos 50. Filme histórico pobre, com planos fechados nas multidões e muita porrada. Müller terá de gastar muita saliva para explicar o que esse filme está fazendo num festival como o de Veneza. Provavelmente, queriam um representante coreano e, na falta de outro, escolheu esse sem prever que o de Kim Ki-Duk ficaria pronto a tempo. É a única explicação. O francês L´Intrus, de Claire Denis, ta mbém não disse a que veio, por motivos diferentes. Se no coreano Montado no Tigre tudo é tão simplório a ponto de roçar o tosco, no francês o tom que se ouve é o da pretensão. Trata-se da história de um homem cardíaco (Michel Subor) que consegue um coração para transplante por meios pouco ortodoxos. A narrativa é fragmentada, os tempos são dilatados, as elisões recorrentes. Mas não se vê como esses recursos sirvam à função de comunicar seja lá o que for. Parecem apenas excesso de intelectualismo e retórica vazia. É muito inferior aos dois franceses exibidos antes, também em concurso. Já a produção japonesa Café Lumière, do diretor Hou Hsiao-Hsien, nascido na China, foi uma bela supresa. Homenagem assumida ao cineasta japonês Yasujiro Ozu, trabalha com planos estáticos, câmera baixa, na altura do tatami, como se diz. Mas esse mimetismo de estilo seria nada caso Hsiao-Hsien também não incorporasse a essência poética do mestre, relatando com singeleza a história da moça que fica grávida do namorado e tem de contar a novidade aos seus pais. A busca pelo pequeno, pelo banal, lembram uma certa atmosfera de Checkov, uma arte da miniatura. Talvez essa pequena jóia não seja lembrada para nenhum prêmio. Mas permanece na memória como um momento de serenidade em mostra tão tumultuada. Enfim, a maior parte dos prêmios deve ficar mesmo entre aqueles indicados, a não ser que o júri, presidido pelo britânico John Boorman, resolva tirar algum coelho da cartola, o que não seria inédito. Em pesquisa feita pela revista Ciak, especializada em cinema e que edita um boletim diário durante o festival, o preferido da crítica italiana para melhor filme continua sendo Vera Drake, de Mike Leigh. E, de fato, essa história da dona de casa que mantém ocupação secreta, parece o mais sólido dos concorrentes, do ponto de vista dramatúrgico. Mas talvez a premência do seu tema - os Estados Unidos pós 11 de setembro - faça a balança pender para Terra da Abundância, do alemão Wim Wenders, que já ganhou um Leão de Ouro no longínquo ano de 1982 com seu O Estado das Coisas. Amelio, com seu bonito e emotivo As Chaves de Casa, dispõe do lobby doméstico a seu favor. E não seria nenhum escândalo se ganhasse o festival com essa história de reconciliação entre pai e filho. Mas é bom lembrar que ele já tem um Leão de Ouro, o de 1998 com Così Ridevano, e talvez o festival ache excessivo dar-lhe duas vitórias tão próximas. Em todo caso, parece o único concorrente da casa com chances reais, e isso conta. Pensando bem, o coreano Casa Vazia poderia mesmo surgir como uma solução de consenso, caso haja muita divisão no júri. Num mundo perfeito, os prêmios de ator e atriz deveriam ficar para Javier Bardem, comovente como o tetraplégico que deseja morrer em Mar Adentro, e com Imelda Stauton, no papel-título de Vera Drake. Mas, como disse um jornal local, os americanos sempre precisam beliscar alguma coisa, inclusive nos prêmios, e então não é improvável que se lembrem de Nicole Kidman, que de fato está bem no inexpressivo Sombras do Passado. O longa de episódios Eros marcaria a volta de Michelangelo Antonioni à direção, assinando uma das três histórias do filme - as outras duas são de Wong Kar-Wai e Steven Soderbergh. Marcaria. O verbo vem no condicional porque não se reconhece a mão do mestre, autor de obras-primas com A Noite e O Eclipse, no tosco episódio apresentado ao público no Lido. Antonioni, como se sabe, está muito doente e mesmo seu longa-metragem anterior, Além das Nuvens, foi co-dirigido por Wim Wenders. O filme é apresentado por uma canção de Caetano Veloso, chamada justamente Michelangelo Antonioni, usada também para ligar um episódio ao outro. O de Wong Kar-Wai, com Gong Li no elenco, é uma beleza e o de Soderbergh foi prejudicado por mais uma trapalhada do festival. Misteriosamente, entrou um rolo de filme errado na montagem da fita. O engraçado é que em aparência se trata de uma produção B, de filme porrada. A platéia ficou perplexa e a projeção foi interrompida para a montagem do rolo certo. Spike Lee, que assistia à sessão, morreu de rir, como todo mundo. Mas o clima já estava rompido, e o pior veria a seguir. Depois de alguns minutos de projeção do episódio de Antonioni, Spike Lee levantou-se e saiu da sala. Outras pessoas fizeram o mesmo. No final, houve um princípio de vaia. Mas a maior parte do público, em respeito ao mestre, manteve silêncio. Única atitude digna num momento triste como esse.

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