Apesar de posar de moderninho, 'Os Homens São de Marte...' é ultraconservador

Mônica Martelli é boa atriz cômica, mas o texto não a ajuda na maior parte do tempo

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Depois de quase dez anos de sucesso no teatro, a peça de Mônica Martelli Os Homens São de Marte... E É para Lá que Eu Vou chega às telas, sob a direção de Marcus Baldini, mesmo diretor de Bruna Surfistinha.

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A própria Mônica faz Fernanda, uma mulher bem-sucedida nos negócios, mas infeliz no amor. Bem, esse é apenas um dos clichês de um filme repleto deles. Fernanda buscará seu parceiro entre homens de diferentes personalidades, idades e tipos físicos. Percorrendo o caminho traçado entre o ricaço cafajeste e o alemão natureba, incluindo o arquiteto de mentalidade aberta, a infeliz Fernanda prosseguirá em sua odisseia amorosa rumo ao idealizado par perfeito.

 

 

O filme tem lá seus bons momentos – quer dizer, momentos que, devidamente suspenso o senso crítico, poderão provocar risos. Em especial porque Mônica é mesmo boa atriz (cômica), tem o timing da coisa e, às vezes, apesar dos limites da proposta, é mesmo engraçada. É realmente pena que o texto não a ajude na maior parte do tempo.

Mas, vendo mais de perto, Os Homens São de Marte... revela de fato a que veio. E, mostrando, notamos que não poderia apresentar muito mais do que já o faz. É um tipo de comédia moderninha, que ostenta certas ousadias, mas que evita chocar quem quer que seja. Trabalha nos estritos limites na moral média e não destoa. Não força fronteiras – e aqui não se está referindo a delimitações estéticas, mas simplesmente temáticas, e morais.

Hoje, qualquer dona de casa de classe média aceita que uma mulher desimpedida possa (e deva) mesmo ter relacionamentos múltiplos e até encarar algumas aventuras sexuais um tanto fora das convenções. Desde que caia fora no momento oportuno, como faz a esperta Fernanda quando se envolve com um fetichista ou quando tem de encarar a opção de continuar no mercado de trabalho ou jogar tudo para cima e passar a viver na praia.

Nesse ponto, aliás, ela se revela bastante convencional em seu papel de mulher "moderna". Não pensa em abrir mão do corre-corre na cidade, da situação de online permanente, do doce estresse, etc. É a mulher contemporânea, combatendo na selva do mercado de igual para igual, e às vezes superando seu antigo rival ao imitar-lhe as piores características. Já tivemos isso nas telas em De Pernas Pro Ar 1 e 2. Por que não continuar na mesma batida, já que vem dando certo na bilheteria e ganha até o aplauso de críticos complacentes?

Há outros pontos dignos de nota. Numa época em que a afirmação da diversidade sexual bate nas telas com força (vide Azul É a Cor mais Quente ou O Estranho do Lago), Os Homens São de Marte... retrocede às comédias dos anos 1950, ou aos programas de TV, e põe em cena um gay caricato, vivido por Paulo Gustavo (de Minha Mãe É uma Peça). Cheio de trejeitos, ele é parceiro profissional e confidente de Fernanda. Não poderia haver personagem mais estereotipado e previsível, mas parece que faz parte do receituário obrigatório da comédia brasileira contemporânea.

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Do ponto de vista cinematográfico, não se poderia exigir grandes novidades num produto destinado ao grande público. Num trabalho sem rupturas temáticas, e sem qualquer ousadia maior nos diálogos e nas situações retratadas, a narrativa vai no mesmo ritmo e se conduz sem grandes trancos. Flui, sem brilho, mas também sem amadorismos que se encontram em produtos similares.

Por fim, cabe reconhecer que sob a capa moderninha, o filme é ultraconservador, com sua idealização do casamento como meta de toda mulher.

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