O que ocorre quando aquele que é o coração e a alma criativa de um estúdio se aposenta? Se estivermos falando de Hayao Miyazaki, o estúdio simplesmente acaba.
Não muito tempo depois de o lendário diretor de animes, hoje com 78 anos de idade, anunciar, em 2013, que deixaria o Studio Ghibli, a produção foi suspensa, encerrando três décadas de atividade com seis filmes indicados ao Oscar, sendo A Viagem de Chihiro vencedor da estatueta. A notícia deixou os fãs de animação em todo o mundo se perguntando se os produtores de amados filmes como Princesa Mononoke e O Castelo Animado ainda lançariam alguma coisa nova.
A decisão dele também deixou no ar outras perguntas. Miyazaki, um dos mais ambiciosos e incansáveis diretores do mundo realmente continuaria aposentado? E o que fariam todas aquelas mentes criativas do estúdio?
Para o produtor de O Conto da Princesa Kaguya (2013), Yoshiaki Nishimura, a resposta era simples, pelo menos em teoria. Ele montaria seu próprio estúdio levando consigo alguns dos melhores animadores do elenco do Studio Ghibli.
O resultado foi o Studio Ponoc, que iniciou suas atividades em 2015 em Kichijoji, a oeste de Tóquio, que abriga o Museu Ghibli e é um importante centro de produção de filmes animados japoneses. Apesar do início difícil – orçamento baixo e dois a três funcionários – o Studio Ponoc rapidamente se expandiu e hoje conta com uma equipe de mais de 400 pessoas.
O primeiro filme lançado pelo estúdio, Maria e a Flor da Bruxa, foi um sucesso, registrando a maior bilheteria no Japão em 2017. O segundo, Modest Heroes, foi lançado nos Estados Unidos nesta quinta-feira, 10.
A transição parecia perfeita até que Miyazaki anunciou, em 2017, que deixaria a aposentadoria para dirigir mais um filme. As teorias foram muitas: ele desejava criar mais um filme para seu neto (foi a explicação do produtor do Studio Ghibli, Toshio Suzuk). O mestre fora atraído pelas promessas da animação por computador (como foi revelado no documentário de 2016, Never-Ending Man: Hayao Miyazaki).
“Honestamente, acho que Miyazaki não é Miyazaki se não estiver criando alguma coisa”, disse Susan Napier, autora de Anime: From Akira to Princess Mononoke e de Miyazaki World: A Life in Art, acrescentando que “é aí que ele está vivo. Ele adora criar e imaginar”.
O que parecia um fim se tornou algo mais – a história sucessiva de dois estúdios, um crescendo e chegando a lugares inesperados e o outro ressuscitado e retornando ao seu foco com um cineasta reverenciado, e ambos tendo como pano de fundo um setor de filmes de animação japonês prosperando como jamais se viu antes. (O sucesso de 2016, Your Name, rendeu US$ 350 milhões e se tornou o anime com a maior bilheteria de todos os tempos).
Se o primeiro filme do Studio Ponoc, Maria e a Flor da Bruxa, tinha elementos em comum com um clássico do Ghibli de 1989, O Serviço de Entregas da Kiki (a jovem protagonista, o familiar, as acrobacias da vassoura voadora), o segundo, Modest Heroes, é outra coisa inteiramente distinta. Em primeiro lugar não é um filme de longa duração, mas uma coleção de curtas, formato que o Ghibli nunca levou aos cinemas comerciais. Se você quer assistir, digamos, a Mr.Dough and the Egg Princess (Sr. Massa e a Princesa do Ovo) ou Water Spider Monmon (A Aranha Aquática Monmon), há apenas um cinema no mundo em que poderá vê-los.
“O Studio Ghibli produz curtas para serem exibidos no seu museu” disse Nishimura. “Mas eles são todos criados e planejados pelo diretor Hayao Miyazaki. Os outros criadores não podem realizá-los”.
No caso de Modest Heroes, alguns dos mesmos artistas estão realizando curtas para serem vistos fora do museu e dirigindo seus próprios trabalhos pela primeira vez.
Kanini e Kanino, do diretor Hiromasa Yonebayashi (O Mundo Secreto de Arrietty), narra a história de dois irmãos caranguejos que deparam com peixinhos ameaçadores e guaxinins em debandada em sua busca para salvar seu pai.
Em Life Ain’t Gonna Lose, o diretor e animator Yoshiyuki Momose cria um drama da alergia a alimentos que ameaça a vida de um menino (ovos fritos e maionese nunca pareceram tão aterradores).
Em Invisível, Akihiko Yamashita narra a história de um indivíduo que se torna o mais improvável dos heróis de ação animados. O filme, que é sobre um homem invisível, implicou o grande desafio de usar animação desenhada à mão para criar o que era basicamente impossível de desenhar, afirmou Nioshimura.
Os filmes do Studio Ponoc são inteiramente diferentes de dois trabalhos mais recentes do Ghibli: Vidas ao Vento termina com o herói perdendo sua jovem esposa para a tuberculose. E em O Conto da Princesa Kaguya, a história acaba com a heroína deixando seus pais humanos para voltar para sua casa, que fica na lua.
“Muitos dos enredos que criamos no Studio Ghibli eram sobre separação”, disse o diretor Yonebayashi. “Mas, à medida que começamos a produzir outras coisas no nosso novo estúdio, abandonamos essas histórias de separação para contar histórias de coexistência e de encontros.” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO