Análise: Texto de origem teatral se converte em filme tocante

'Greta', de Armando Praça, consegue fugir do cômico e entregar ponto de vista sensível sobre o universo gay no século 21

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Dirigido por Armando Praça, Greta recicla antiga peça teatral de sucesso, Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá. Escrita por Pedro Melo, teve diversas encenações, entre as quais uma com Raul Cortez e Eduardo Moscovis, de 1993. 

Da esquerda para a direita: Marco Nanini (Pedro) e Démick Lopes (Jean) vivem em 'Greta' uma relação extremamente sensível e delicada Foto: Pandora Filmes

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Se o texto é uma história de sucesso, sua reelaboração cinematográfica ganha outra roupagem, adequada aos novos tempos. A peça original, de 1974, falava da solidão gay durante um período repressivo, a ditadura militar. A nova Greta ambienta-se num tempo em que direitos já foram ganhos, porém se encontram em xeque diante do retrocesso moralista em curso. 

Greta é um filme de elenco e de ambientações. Cresce muito pelo registro fotográfico bastante sugestivo da claustrofobia sentida pelos personagens. É quase todo em ambiente fechado, seja no hospital em que o protagonista trabalha, seja no apartamento onde mora. Há poucas aberturas para a rua, vista da varanda, ou às vezes em reflexos e, mesmo assim, de forma distante. Este é um drama que se desenvolve entre paredes. 

Paredes são elementos que separam as pessoas, tanto do mundo quanto delas próprias. A aspiração a estarmos juntos é contraditada por tudo aquilo que nos separa, inclusive a necessidade da privacidade. São paredes, de tijolo e argamassa, ou simbólicas, construídas pela nossa linguagem, nossos preconceitos e pela insegurança, que nos condenam à solidão. O filme fala de tudo isso e, por esse motivo, não cabe em gavetas ou armários. 

Há a encenação e também o elenco. Marco Nanini interpreta Pedro, enfermeiro de hospital público que, para abrir vaga a uma amiga (Denise Weinberg), ajuda na fuga de um jovem criminoso, Jean (Démick Lopes). Jean estava algemado em seu leito, ferido na briga em que um homem foi assassinado. Pedro o leva para casa e a cumplicidade inicial vira afeto e ganha outros desdobramentos. Entre os dois, e às vezes com os dois, há a figura um tanto ambígua de Daniela (Denise Weinberg), artista transexual que sofre graves problemas de saúde. 

O elenco é de ponta, afinado e refinado. Nanini atinge o sublime com sua interpretação corajosa. Não teme a exposição do corpo e não foge às situações de sexo. Seu desempenho é uma exaltação à profissão de ator ou atriz, seres que, em benefício do público, doam corpo e alma ao personagem, sem se poupar. 

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