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Análise: Nelson Pereira faz retrato do artista como trabalhador em 'Estrada da Vida'

É mais que tempo de resgatar o belo filme com Milionário e Zé Rico que nasceu no ardor das greves do ABC

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:
O diretor de cinema Nelson Pereira dos Santos em 1995 Foto: Passo Marcelo/Estadão

É fácil destacar, no novo volume da obra completa de Nelson Pereira dos Santos, os filmes realizados entre 1977 e 93, sua segunda adaptação de Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, que ganhou o prêmio da crítica em Cannes. Mas já é mais que tempo que um olhar nuançado – e generoso – resgate Estrada da Vida.

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O longa de 1979/81 resgata a experiência de Nelson no cinema popular de O Amuleto de Ogum, em 1974. Contada pelo cego Firmino, a história do amuleto trata do corpo fechado de Gabriel e de como ele morre e ressuscita – em luta contra as forças demoníacas – e o próprio cantador mata mais três por estarem descontentes com o desfecho da trama.

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Prosseguindo na via nacional e popular, em busca de público para resolver problemas crônicos do cinema brasileiro, Nelson inspira-se em elementos semibiográficos das vidas de Milionário e Zé Rico para falar do artista como um trabalhador. Dois migrantes, Romeu e José, sonham ser artistas, mas enquanto o sonho não se realiza ganham a vida pintando paredes. Gravam uma demo e então um dia, pintando a parede de uma loja, eles ouvem as próprias vozes. O disco não só é lançado como vira um sucesso, catapultando a dupla no mundo artístico.

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Estrada da Vida precedeu de mais de 20 anos o megassucesso 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira, inspirado na história de Zezé di Camargo e Luciano. Mas nem 2 Filhos, com todo o seu sucesso de público e crítica – foi saudado como um dos grandes filmes da chamada ‘Retomada’ –, tem uma cena tão bela como a do amanhecer na metrópole. O galo canta, a periferia desperta e o filme detalha as pequenas ações cotidianas. Levantar, fazer a higiene, tomar um café, pegar o trem e ir para o trabalho. É o que fazem Romeu e José, como os outros milhares (milhões?) de trabalhadores anônimos que, por esse Brasil afora, sonhavam com uma vida melhor. Tudo se encaixa. Em 1981, Leon Hirszman fez Eles Não Usam Black-Tie, as greves do ABC e o cinema de militância estavam no ar. A classe operária buscava o paraíso, os artistas perseguiam o coração do povo.

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