Análise: Jô Soares no cinema foi das comédias de pornochanchada a autor cult

Escritor e humorista morreu nesta sexta, 5, aos 84 anos, em São Paulo

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Como o de Chico Anysio, o humor de Jô Soares, sobretudo na TV, baseava-se na sua capacidade de multiplicação nos mais diversos personagens. No cinema, ele se iniciou, nos anos 1950, como coadjuvante. Foi escada para o brilho dos grandes cômicos da época. Ankito e Grande Otelo em Pé na Tábua, Oscarito em O Homem do Sputnik, de novo Ankito e Grande Otelo em Vai Que É Mole, Ronald Golias em Tudo Legal. No fim dos anos 1960, teve um flerte com o cinema marginal e participou de obras importantes de autores emblemáticos. 

Jô Soares em cena de 'Hitler do Terceiro Mundo' Foto: Acervo Estadão

PUBLICIDADE

Hitler do Terceiro Mundo, de José Agrippino de Paula, marcou época pela narrativa fragmentada, de ângulos insólitos. O nazismo instala-se em São Paulo, um samurai perde-se no caos, revolucionários são mortos, ao ditador e seu bando tudo é permitido. Outra obra visionária foi A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla. Na sequência da Janete Jane de O Bandido da Luz Vermelha, Helena Ignez vira a ninfomaníaca Ângela Carne e Osso, a autoproclamada mulher de todos os boçais, casada com o Dr. Plirtz. Jô Soares é quem faz o papel desse ex-carrasco nazista que agora é dono do truste das histórias em quadrinhos no Brasil. 

Na sequência surgiu Nenê Bandalho, de Emílio Fontana, baseado num texto de Plínio Marcos sobre assassino de mulheres que relembra seu passado - a mãe estuprada - enquanto é perseguido pela polícia. Em 1973, já com nome estabelecido na TV, na Globo, Jô foi o diretor do cabaré de Amante Muito Louca, de Denoy de Oliveira, em que Teresa Rachel está extraordinária. Seguiu filmando, participações esporádicas, especiais. Cidade Oculta, de Chico Botelho, Sábado, de Ugo Giorgetti, Giovanni Improtta, de José Wilker. Hoje em dia pode ser incorreto falar de gordo, mas Jô nunca teve inibição. Nos anos 1970, fez espetáculos como Ame Um Gordo Antes Que Ele Acabe, satirizando a própria tentativa de dieta. Nos 80, provocou ondas de riso com Viva o Gordo.

Filme 'O Xangô de Baker Street', baseado na obra de Jô Soares Foto: Zeca Guimarães

Era ótimo criando mulheres como a fofa Norminha, de Faça o Amor, não Faça a Guerra - olha a incorreção. Usava a seu favor o que poderia ser restritivo, o peso. O público o amava, e ele teria seguido nessa linha com muito sucesso. Mas achou que tinha de mudar e trocou a carreira de humorista pelas de entrevistador e escritor. Virou autor de best-sellers. O Xangô de Baker Street narra a aventura brasileira de Sherlock Holmes, que vem ao Brasil - ao Rio - para investigar o misterioso sumiço de um violino raro, durante o 2º Império. Para complicar, misteriosos assassinatos estão ocorrendo na cidade, que também recebe a visita da lendária Sarah Bernhardt. Xangô virou filme - muito bom - de Miguel Faria Jr. em 2001, com elenco internacional. Joaquim de Almeida, Maria de Medeiros. O próprio Jô faz um desembargador.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.