Análise: filme 'My Fair Lady', de George Cukor, é sutil, elegante, cheio de humor e ironia

Trata-se daqueles musicais irresistíveis, que seduzem mesmo os que não gostam do gênero

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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My Fair Lady é daqueles musicais irresistíveis, que seduzem mesmo os que não gostam do gênero. Ou pensam não gostar. O texto, de Alan Jay Lerner, é baseado na peça Pigmaleão, de Georges Bernard Shaw, que, por sua vez, deixou-se inspirar pelas Metamorfoses, de Ovídio. Na base de tudo, a possibilidade de um ser humano transformar a outro de maneira radical. Aliás, não apenas transformar, mas criar um outro segundo seu gosto ideal. Isso acontece quando o aristocrático linguista Henry Higgins (Rex Harrison) é abordado na saída de um espetáculo por uma mendiga vendedora de flores, Eliza Doolittle (Audrey Hepburn). Ele se choca (mas também se encanta) com o sotaque cokney da moça, seu jeitão desabrido, a profusão de gírias e gestos, digamos, populares. Higgins faz uma aposta com seu colega Hugh Pickering (Wilfrid Hyde-White) de que, em seis meses, conseguiria transformar a mendiga numa lady, capaz de enganar toda a sociedade londrina. 

Cena do filme My Fair Lady Foto:

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A trama é toda inteligente. Em especial na premissa de sociedades mais antigas e estratificadas, como a inglesa: a diferença de classes se cristaliza, geração após geração, na maneira de falar. É o primeiro diferencial de classe, intransponível, acompanhado das “maneiras” – o jeito de andar, comer, segurar uma taça, rir. A classe se inscreve nesse “idioma” gestual, do qual a forma verbal é o cartão de visitas. Países de ricos novos, como Estados Unidos ou Brasil, não têm noção da sutileza aristocrática do “dinheiro antigo”. 

É isso que o aristocrata Higgins subverte através do ensino. A prova de fogo é um baile em honra a nobres da Transilvânia, quando Eliza encanta toda a Corte e ilude até mesmo um especialista em detectar impostores sociais. Tudo gira em movimento oposto porque, afinal, Eliza compreende que o gesto de Higgins não se deveu ao humanitarismo, à consciência social e menos ainda ao amor. Ela é apenas um objeto de aposta. 

Ok, o filme deve tudo a esse texto finamente elaborado. Mas cinema não é literatura e o texto é apenas um bom ponto de partida. O diretor George Cukor o realiza da maneira mais sutil e elegante possível, cheia de humor e ironia. Há a música de André Previn. E, claro, o elenco soberbo. A começar pelo charme de Audrey, mas também o talento do britânico Rex Harrison, que venceu o Oscar em 1965. Foi um dos oito Oscars recebidos por My Fair Lady em 1965, incluindo melhor filme e direção. Como nada é perfeito, Audrey não ganhou. 

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