Werner Herzog costuma dizer que um cineasta deve ler e andar bastante. Ele poderia também dizer que um cineasta de seu temperamento deveria se interessar por outsiders, por obstinados e por toda a fauna humana que habita o lado B das sociedades. É entre eles que encontra a natureza humana mais autêntica e profunda, aquela que o apaixona.
Em dois dos seus filmes mais famosos, Aguirre, a Cólera dos Deuses e Fitzcarraldo, Werner Herzog retrata obstinados que enfrentaram a Amazônia para levar a cabo seus sonhos mais delirantes. Ambos com seu ator preferencial, seu amigo/inimigo mais íntimo, o piradíssimo Klaus Kinski. Há um documentário (Meu Melhor Inimigo) sobre o relacionamento no fio da navalha entre os dois.
Herzog conta que, durante a filmagem de Aguirre, chegou a apontar um fuzil para Kinski para forçá-lo a terminar uma cena. E disse que sem dúvida usaria a arma se preciso fosse.
O amor de Herzog pelos desajustados encontra seu ápice em O Enigma de Kaspar Hauser, sobre o homem criado sozinho, sem contato com seus semelhantes. Ou os anões, em Os Anões também Nascem Pequenos. Ou Woyzeck, o soldado outsider que não compreende as ordens que tem de cumprir. Ou no vampiro complexado de Nosferatu.
Prolífico em ficção, Herzog desenvolveu uma intensa carreira de documentarista na segunda fase de sua obra. Seus temas continuam inusitados e radicais: o homem que amava os ursos e acabou devorado por um deles (O Homem Urso); as histórias de condenados que esperam seu fim no corredor da morte (Ao Abismo). É o abismo que inspira, tenta e encanta Herzog.