Análise: 'Corpo Elétrico', uma visão pouco convencional do mundo LGBT

Houve tempo em que o simples tema já era uma transgressão; agora, ele já precisa se reinventar

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Em Corpo Elétrico, Marcelo Caetano se inspira no poema de Walt Whitman para compor uma visão pouco convencional do mundo LGBT. Houve tempo em que o simples tema já era uma transgressão. Agora, ele já precisa se reinventar. E eis o filme que o coloca em novo patamar. 

A história é a de Elias (Kelner Macêdo), jovem criador de uma fábrica de confecção de roupas do Bom Retiro, em São Paulo. Elias vem da Paraíba e gasta seu tempo laboral nas oficinas e o tempo livre em ligações amorosas diversas. Estas se sucedem como se deve, sem contaminação da culpa ou outras intercorrências. Enfim, o filme celebra a alegria possível de alguém que usa o próprio corpo de maneira desinibida, sem exibicionismo, mas também sem transigir em momento algum sobre o seu próprio desejo. É homenagem a uma pessoa livre. 

Filme é homenagem a uma pessoa livre Foto: Vitrine Filmes

PUBLICIDADE

Este é um aspecto. O outro, fundamental, e talvez alma mesma deste projeto, é a ambientação da história no universo proletário. Caetano mostra o mesmo carinho pelo mundo operário que tinha, por exemplo, Carlos Reichenbach ao retratá-lo em Garotas do ABC e Falsa Loura. São exceções. Como se sabe, o cinema, no Brasil, é, em grande parte, feito pela classe média e para a classe média. Em livro famoso (Brasil em Tempo de Cinema), Jean-Claude Bernardet defende a tese de que nem o Cinema Novo escapou a esse condicionamento de classe. 

Leia também: 'Corpo Elétrico’ fala sobre amor e liberdade sem fazer análises morais

Através de uma gama de personagens, além de Elias, Corpo Elétrico abre um corte transversal nesse mundo de novas configurações. De gênero, de relação livre com o corpo, com o trabalho e o lazer se alternando de forma contraditória à lógica capitalista.  Elias respeita seu desejo numa cidade em que o culto máximo e exclusivo é o do trabalho. Há uma cena emblema de Corpo Elétrico quando os funcionários saem após o expediente, rindo, brincando entre si, felizes e expansivos. Depois da labuta, abre-se o caminho dos bares, dos encontros e do prazer. Negando o quadro depressivo da rua José Paulino ao cair da tarde, o colorido dos jovens traz uma nuance de alegria ao cinza triste da cidade. Esse lindo plano-sequência crava-se na memória afetiva do espectador. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.