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Análise: Comédia e crítica à falta de sentido da nossa época são marcas de 'Toni Erdmann'

Filme não expõe apenas o difícil relacionamento entre pai e filha, mas faz crítica corrosiva do atual estado de coisas do mundo

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Toni Erdmann, da diretora Maren Ade, reserva uma surpresa a cada cena. A começar pela primeira, na qual um carteiro vai entregar uma encomenda a um senhor muito divertido, Winfried (Peter Simonischek).   O viés farsesco dessa primeira sequência não é episódico. Compõe o tom geral do filme, classificado de maneira enganosa como comédia. Sim, há coisas para rir em Toni Erdmann, mas o contexto vai além e é bastante dramático, pois inclui não apenas o difícil relacionamento entre pai e filha, como uma crítica corrosiva do atual estado de coisas do mundo.   Afastado da filha, o professor de música Winfried assume o alter ego de Toni Erdmann, tipo clownesco que usa dentadura de vampiro, tem vários disfarces e gosta de contar mentiras e colocar a moça em situações constrangedoras. Acontece que a filha, Ines (Sandra Hüller), é uma executiva bem-sucedida e mora em Budapeste, para onde a sua empresa a deslocou. Ines é especialista em “enxugar” empresas deficitárias, ou seja, é craque em demissões.

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O jogo com o absurdo é a maneira de o pai aproximar-se de uma filha recalcitrante. Ines é uma fêmea alfa. Está no topo da pirâmide executiva. Vê o mundo como veem os neoliberais: ambiente de negócios, no qual as pessoas que não interessam são simplesmente varridas do caminho. De certa forma, o próprio pai de Ines é um desses “losers”, um perdedor, esse insulto supremo que os Estados Unidos legaram ao planeta. No entanto, esse “perdedor”, ao usar as armas do absurdo e do surrealismo, busca quebrar esse iceberg e chegar ao âmago de humanidade que supõe ainda existir na filha. 

O clima de estranheza é feito para isso - tirar o espectador do seu centro de atenção habitual (a forma narrativa naturalista) e deslocá-lo para novas possibilidades de pensamento. E mesmo de fruição. Porque, passado um período de incômodo, Toni Erdmann torna-se não apenas divertido, mas muito estimulante em sua crítica escrachada ao neoliberalismo e à globalização (claro que é uma crítica da mundialização pela esquerda e não pela direita, como a de Trump). Toni Erdmann vem ganhando prêmios por onde passa e é favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Foi eleito o melhor filme do ano pelos críticos da revista francesa Cahiers du Cinéma. 

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