Análise: Clouzot foi considerado o ‘Alfred Hitchcock francês’

Biógrafo aponta Clouzot como pessimista, pavio curto, irritadiço e ‘uma pessoa negativa’, segundo Brigitte Bardot

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Suzy Delair, atriz com quem Henri-Georges Clouzot, teve um relacionamento de 12 anos no começo de sua carreira, contou certa vez que ele não hesitava em agredi-la, fisicamente, para lograr o efeito dramático que queria, mas não se queixava. Dizia que ele era assim com todo o mundo. O biógrafo do cineasta, Marc Godin, acrescenta que ele era pessimista, tinha o pavio curto e se irritava com facilidade. E Brigitte Bardot, com quem o cineasta fez A Verdade – o filme preferido da estrela –, arremata. “Foi talvez a pessoa mais negativa que conheci, sempre em guerra consigo mesmo e com o mundo.”

Filme 'As Diabólicas' Foto: REPRODUÇÃO

PUBLICIDADE

Os depoimentos ajudam a definir Clouzot e até seu estilo, lançando luz sobre o artista que chegou a ser considerado um dos maiores da França. Nos anos 1940, ele era chamado de “Hitchcock francês” por seus thrillers de inspiração noir. Ganhou prêmios em Cannes e Veneza, acumulou memoráveis sucessos de público e crítica, filmes que atraíam milhões de espectadores – Manon, O Salário do Medo, As Diabólicas, o citado A Verdade. No fim dos anos 1950, antes mesmo do último, passou a ser contestado pela nova geração – a nouvelle vague. Sua mulher, a brasileira Vera Amado Clouzot, que converteu em atriz, tinha problemas cardíacos que se agravaram, e ela morreu.

Dessa obra colossal, os filmes que cresceram com o tempo foram Os Espiões, um raro fracasso de Clouzot – era, talvez, um filme avançado para sua época –, e o admirável documentário O Mistério de Picasso, em que conseguiu colocar na tela o gênio do pintor. Mais de 40 anos após sua morte – em 1977 –, é tempo de revisar um artista polêmico, provocador e que, à sua maneira, também foi um gênio. Um cineasta – um cinema? – da crueldade, muito mais que do suspense (à Hitchcock).

No IMS/Instituto Moreira Salles, começa nesta quinta, 13, uma retrospectiva dedicada a Clouzot. Não é completa. São apenas cinco longas restaurados em DCP – O Assassino Mora no 21, de 1942; O Salário do Medo, 1953; As Diabólicas, 1954; O Mistério de Picasso, 1955; e A Verdade, 1960 -, mais o docudrama O Inferno de Henri-Georges Clouzot, de 2009, de Serge Bromberg e Alexandra Rudrea, que acharam um jeito interessante de finalizar o longa com Romy Schneider, L'Enfer, que ele deixara inacabado, e o documentário O Escândalo Clouzot, de Pierre-Henri Gilbert, 2017.

Clouzot nasceu na província francesa, em 1907. Queria cursar a escola naval, mas foi recusado pela miopia. Descobriu o teatro e o cinema, tornou-se roteirista (e dramaturgo). Ainda nos anos 1930, foi contratado para trabalhar na Alemanha, na tradução de filmes produzidos nos estúdios Babelsberg, mas terminou demitido por sua amizade com produtores judeus. Teve tempo de absorver o expressionismo, que alimentaria sua visão sombria de cinema – e dos homens. No começo dos 40, dirigiu o primeiro longa, O Assassino Mora no 21, seguido por Le Corbeau/O Corvo, sobre uma cidadezinha, na França, envenenada por cartas anônimas. Tal era o clima do país, sob o nazismo. Após a guerra, e mesmo defendido por colegas cineastas e por Jean-Paul Sartre, chegou a ser proibido de dirigir (por colaboracionismo)? O restante é história. O retorno, o sucesso. Quando venceu a disputa – com o mestre do suspense – pelos direitos de As Diabólicas, consolidou-se o mito do Hitchcock francês.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.