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Análise: 'A Vida de Uma Mulher' mostra uma vida que não é nem tão boa e nem tão ruim quanto se crê

A maneira como Jeanne e outras personagens são filmadas, de maneira estreita e enviesada, nos lembra que elas são mais objetos que sujeitos da ação

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Não é a primeira vez que o cinema adapta Une Vie, o folhetim de Guy de Maupassant, publicado como livro em 1883. Houve uma obscura versão finlandesa de 1947 e, depois, em 1957, a de Alexandre Astruc, cineasta, ensaísta e precursor da nouvelle vague. Chega agora a de Stéphane Brizé, com a vantagem, em relação à anterior, do maior desenvolvimento dado à história da infeliz Jeanne. 

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Quando, em Astruc, a história de Jeanne termina, em Brizé ela ainda anda pela metade. E a pobre Jeanne ainda terá muito a sofrer até poder formular a máxima filosófica que funciona como eixo da sua saga pessoal: a vida não é tão boa nem tão má quanto se crê. Bem, somado, tudo é relativo, das alegrias às tristezas. Uma filosofia estoica, de serenidade e realismo, que não pode se confundir com o conformismo. 

Jeanne (Judith Chemla) é uma aristocrata ingênua, que sai do convento sem qualquer experiência da vida real. Torna-se então presa fácil de um arrivista como Julien De Lamare (Swann Arlaud), com quem se casa, na vã ilusão da felicidade matrimonial. Mas há muito mais por vir. Na composição dessa vida de mulher entrelaçam-se vários fios, em torno da sua inexperiência primordial: o machismo, a influência da Igreja na vida íntima, o oportunismo, a avidez do dinheiro, a dominação paterna. Seria preciso dizer, e com muita ênfase, que, a partir da história pessoal dessa mulher, é feita toda uma radiografia da sociedade francesa daquela época. 

Cena de 'A Vida de Uma Mulher' Foto: TS Productions

O cinema busca mais a exposição que o discurso racional, embora contenha a possibilidade (e para alguns o dever) da reflexão. Após alguns fatos que ocorrem com Jeanne, o espectador contemporâneo sente-se intrigado pela pouca autonomia que as pessoas (em especial as do sexo feminino) dispunham para conduzir suas vidas. Há a interferência do pai, depois do marido e, em seguida, dos filhos. A Igreja conforta, mas sublinha a necessidade da submissão. E mesmo a cumplicidade entre mulheres parece condicional. Essa consciência faz a ponte entre uma realidade do passado e a do presente, quando essa busca de autonomia já percorreu longo percurso, mas parece ainda bastante incompleta. Chamar A Vida de Uma Mulher de filme feminista não seria um exagero, talvez. 

A maneira como Jeanne e outras personagens são filmadas, de maneira estreita e enviesada, nos lembra que elas são mais objetos que sujeitos da ação. São agidas e não agem, em situações que nos parecem exasperantes. Parece um traço deliberado de linguagem, a reforçar o mal-estar com o que vemos. De qualquer forma, a trajetória de Jeanne é o percurso de uma consciência que evolui e mistura dor e experiência no cimento de sua forma amadurecida. 

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