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Análise: 'A Favorita' revela as tensões entre as razões de Estado e desejo humano

O ótimo 'A Favorita', do grego Yorgos Lanthimos, é um filme sobre os bastidores do poder; longa que estreia nos cinemas brasileiros está na disputa do Oscar 2019 em 10 categorias

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A Favorita, de Yorgos Lanthimos, é, no principal, um filme sobre os bastidores do poder. Na Inglaterra do século 18, a rainha Anne (Olivia Colman) reina, mas quem governa é sua “favorita”, Sarah Churchill, a duquesa de Marlborough (Rachel Weisz), um Rasputin de saias que age nas sombras. O equilíbrio do poder é abalado com a chegada de Abigail (Emma Stone), que logo cai nas graças de Sua Majestade e ameaça a posição de Sarah. 

Com 10 indicações ao Oscar 2019, 'A Favorita' estreia nos cinemas Foto: Fox Filmes

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Eis aí um enredo folhetinesco e que, dizem, se baseia em fatos reais. Dessa contradança erótico-político das três sai toda a graça de uma obra que, precisa e perfeita na reconstituição de um tempo, jamais lhe é reverente, como às vezes acontece com filmes de época.

Pelo contrário, o grego Lanthimos adentra o espaço íntimo da monarquia britânica com dose brava de senso crítico, sentido humorístico afiado e verve não raro sardônica. Como aquele personagem de Machado de Assis, interpreta a História com “a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. 

Há a trama, em que mulheres governam, porém cercadas de homens poderosos. Todo um “sistema” em torno de Anne limita seu poder, em tese absoluto. E esse sistema é regido por homens, intérpretes de um interesse de Estado que transcende caprichos individuais. No entanto, sempre há o desejo humano, que faz com que decisões fluam por caminhos nem sempre racionais. Anne tem uma posição delicada e frágil. Para uma rainha, casada ainda por cima, manter em palácio uma amante, ou duas, pode ser um fator e tanto de desestabilização política. 

É mérito de Lanthimos ambientar essas intrigas palacianas num ambiente com tons de fantástico, com angulações inusitadas e lentes que reforçam a estranheza de tudo aquilo. 

Mas, claro, nada seria possível sem a excelência do elenco, em especial a presença dessa atriz extraordinária que é Olivia Colman. Não é para qualquer uma interpretar uma rainha todo-poderosa que, no entanto, se revela em sua fragilidade humana. Voluntariosa, muitas vezes sábia, outras frívola, Anne era escrava de um corpo enfermiço, que a sujeitou a inúmeras doenças ao longo de sua vida (1665-1714). 

Há algo de soturno na maneira como Anne percorre os labirínticos corredores do palácio em sua cadeira de rodas. E também na maneira como, em meio a futricas, puxadas de tapete, rivalidades e intrigas, tem de se haver com toda uma série de graves decisões a tomar. 

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Em meio a questões tão importantes, os males de amor de uma rainha parecem não ter a menor importância. Mas, na escala humana, perder um grande amor equivale a perder uma guerra. Essa costura assimétrica e mal alinhavada entre a intimidade e a política faz o encanto desse filme que disputa o Oscar em 10 categorias

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