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Amiguet mostra em Locarno maratona de suíços rumo à China

Uma viagem de cinco caipiras suíços rumo à China é o tema do filme Ao Sul das Nuvens, que o cineasta suíço Jean-François Amiguet apresenta no Festival de Cinema de Locarno

Por Agencia Estado
Atualização:

O cineasta suíço Jean-François Amiguet é uma exceção na competição dos longas-metragens no Festival Internacional de Locarno, aberta geralmente aos estreantes. Veterano valaisano, nascido em Vevey, sede montanhosa da multinacional Nestlé, à beira do lago Leman, Amiguet já trabalhou com o conhecido cineasta de Genebra, Alain Tanner, antes de fazer 14 filmes. De volta a Locarno, Amiguet, em seu filme Ao Sul das Nuvens, conta como cinco caipiras montanheses do cantão do Valais, habituados apenas à raclette de queijo, ao vinho branco das margens do lago, à carne seca fatiada, à guarda de vacas e ao barulho de seus sinos no silêncio do inverno, decidem conhecer o outro lado do mundo, além dos Alpes. Uma viagem de 36 dias de trem até a China, que seria feita de janelas fechadas, mas uma oportunidade para esvaziarem juntos copos de vinho e cerveja, jogarem cartas e ruminarem seus segredos. Uma maratona de velhos ao contrário dos road-movie americanos, da qual alguns vão desertando pelo cansaço mal avaliado das longas horas de trem, agravado por paisagens monótonas e repetidas, que não lhes interessam, à maneira da Suíça, que só recentemente entrou para a ONU e ainda rejeita a União Européia. Essa peregrinação dos típicos representantes da Suíça profunda acaba por ser um retrato e dá ao filme uma dimensão digna de filmes como Os Fazedores de Suíços e A Barca Está Cheia. Amiguet falou ao estadao.com.br sobre seu fime. estadao.com - Como surgiu esse projeto de ir até a China pela transiberiana com cinco suíços típicos? Jean-François Amiguet - No começo, era meu desejo pessoal de fazer o trajeto do trem transiberiano ou transmongoliano, e procurei unir então o útil ao agradável. Como vivo num vilarejo do Valais, procurei saber o que de parecido poderia haver num outro vilarejo chinês e que justificasse as três semanas de trem. Foi assim que soube dos combates de búfalos, muito semelhantes ao combate de vacas nas montanhas do cantão do Valais, chamado de ?combate de rainhas?. Isso acabou sendo o motor do desejo de fazer o filme. E o roteiro do filme como foi escrito? Comecei a escrever sozinho, mas o resultado foi ruim, pois a história não se casava com a força das paisagens que o trem atravessa. Era preciso colar essas paisagens com o personagem principal, Adrien, senão seria um simples documentário. A partir daí, passei a ter a colaboração de Anne Gonthier, que teve a idéia de acrescentar a idéia de luto ao passado do personagem principal, marcado pelo mutismo e solidão das montanhas. Assim, a viagem será para Adrien a oportunidade de se reconciliar com sua vida, através da palavra. Porém, para um estrangeiro, o que o filme demonstra é a abertura para o mundo de personagens montanheses típicos de uma Suíça fechada e isolada. Houve também esse desejo do autor? Nossa intenção foi de partir de situações clichês dos suíços. Esses caipiras montanheses, longe de nós e de mim mesmo, que não sabem se servir das palavras e temem falar das coisas íntimas, acabaram por me mostrar que eu também era um deles, na busca do desconhecido, na abertura para os outros. E como foram as filmagens com os chineses e vizinhos? Nessa China, que ao invês da Suíça, quer se abrir para o mundo. Fiz a viagem sozinho, quase da mesma maneira que fariam os personagens, e vivi algumas semanas em alguns lugares, anotando tudo o que seria importante. Foi assim que conheci a contorsionista mongol que aparece no filme. Com base nos meus encontros foi sendo construída a história. Na China, filmamos na fronteira com o Vietnã, com uma das minorias étnicas. Muitas vezes tentei me comunicar com as pessoas, sem saber nada de seus idiomas e vice-versa. Vivi na Rússia algumas experiências inesperadas, como a de ser hospedado num hospital de oftalmologia, que utilizava os leitos vagos aos turistas para obter fundos e assim continuar existindo. Os jovens suíços têm o hábito de viajar pelo mundo aos 18 anos, num ano sabático, mas ao retornarem voltam a se fechar. Será que a Suíça irá se abrir para o mundo? Como suíço procuro ver sempre as vantagens das viagens para se abrir para o mundo. Acho que, atualmente, a Suíça não está mais se fechando sobre ela mesma e existem sinais de uma maior abertura. Temos de continuar lutando para isso e o cinema ajuda a abrir janelas para o mundo. É meu desejo ver uma Suíça aberta.

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