"Amarelo Manga" conquista Brasília

Amarelo Manga conquistou a politizada platéia do Festival de Cinema de Brasília. Um exemplar puro-sangue de cinema jovem, urgente, plugado no social mas sem o ranço do discurso iológico

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Por Agencia Estado
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Amarelo Manga começou a conquistar a politizada platéia brasiliense desde a subida da equipe ao palco. O fotógrafo Walter Carvalho usava uma camiseta com a estrela do PT, o diretor Cláudio Assis comparou a sua perseverança em terminar o filme com a daquele outro pernambucano "que perdeu, lutou e finalmente chegou lá", e o ator Matheus Nachtergaele declarou que saíra do seu trabalho no longa-metragem "com o olhar afiado para enxergar direito as pessoas do nosso País". Aliás, a subida de Matheus ao palco foi seguida pela maior ovação dedicada a um artista até agora neste festival. Nada disso funcionaria não fosse o filme o que é: um exemplar puro-sangue de cinema jovem, urgente, plugado no social mas sem o ranço do discurso sociológico. Um soco no estômago e um recado incômodo do Brasil do andar de baixo. Assim, o que começara na apresentação se completou no final, quando subiram os créditos, e quem assistia teve a sensação nítida de que nascia ali o primeiro favorito para ganhar o festival deste ano. Amarelo Manga monta um painel complexo do ambiente sórdido do Recife pobre, onde convivem uma garçonete de botequim (Leona Cavalli), um açougueiro (Chico Diaz) e sua mulher crente (Dira Paes), um necrófilo (Jonas Bloch) e um cozinheiro homossexual (Matheus Nachtergaele), entre outros personagens igualmente marcantes. O filme mantém um fio ficcional que se abre para partes documentais, nas quais se vêem os rostos pobres da população periférica do Recife, as cores e a própria cidade, que se transforma em personagem. Tudo pulsa, tudo ama e tudo dói como se a câmara se aproximasse da carne da cidade, de uma ferida aberta. O filme não é sobre a crise brasileira; o filme é a crise. No animado debate que ocorreu no dia seguinte à projeção o cineasta Geraldo Sarno destacou que o longa, de ficção, "está encostado" no documentário, e dessa característica tira sua força. Sarno também se disse um entusiasta do cinema que se faz no Recife e arriscou uma interpretação para a criatividade desses diretores: "O Recife não desconhece o agreste e o sertão e incorpora também a cultura negra nessa rede de influências". A cidade seria então um ponto de encontro cultural, um melting pot em que uma tendência interage com a outra sem anulá-la, a somatória geral sendo de força impressionante. Sarno disse ainda que o filme lembra o universo do escritor francês Émile Zola, com seu approach naturalista. Outro que se animou com Amarelo Manga foi o diretor Luiz Fernando Carvalho (de Lavoura Arcaica). Ele disse que via nascer ali uma nova dramaturgia do cinema brasileiro, "que conseguia humanizar aqueles personagens num ambiente talvez não naturalista, como o classificara Geraldo Sarno, mas hiperrealista". E filiou o longa de Cláudio Assis a uma nobre família, a de Aluísio de Azevedo, Plínio Marcos e Nelson Rodrigues "em sua reflexão sobre a exclusão social, sobre os desvalidos". Enfim, Amarelo Manga, longa de estréia do pernambucano Cláudio Assis, voltou a jogar adrenalina num festival que começara sob o signo da polêmica com "Cama de Gato", mas depois andara meio morno. O outro longa-metragem apresentado no fim de semana também vem do Nordeste. O cearense Lua Cambará - nas Escadarias do Palácio, de Rosemberg Cariry, conta a saga da personagem-título (Dira Paes, também neste filme) que, de criança enjeitada, transforma-se em mulher forte e se desumaniza no processo. Vítima de uma precariedade que não conseguiu ser integrada como elemento criativo, Lua Cambará não chegou a despertar paixão nem no público e nem a crítica. Curtas - A amostragem dos curtas-metragens continua boa, em média. Morte, de José Roberto Torero, talvez não esteja à altura da expectativa que se cria a cada novo trabalho do seu diretor. O Encontro, de Marcos Jorge, com sua história de amor contada em idioma fictício (o "cinemês"), distancia-se por seu artificialismo. O mesmo pode ser dito de A Janela Aberta, de Philippe Barcinski, diretor sempre criativo, mas dependente de um intelectualismo muito marcante em seu trabalho. Ainda não deu o pulo do gato que dele se espera. Dona Cristina Perdeu a Memória, de Ana Luíza Azevedo, ganhou a simpatia do público, com sua reflexão amorosa sobre a infância e a terceira idade. Ao contrário dos três curtas anteriores, neste o coração leva a melhor sobre a razão. Com vantagens para o filme.

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