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‘Alvorada’ acompanha rotina de Dilma no Palácio após aprovação de impeachment em 2016

Documentário de Lô Politi e Anna Muylaert retrata os últimos momentos da ex-presidente no poder

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Lô Politi usou sua proximidade pessoal da ex-presidente Dilma Rousseff para conseguir o aval dela para um filme que pretendia fazer. A Câmara já havia votado o impeachment, mas o rito do afastamento da petista ainda precisava da confirmação pelo Senado. Alvorada, o filme, estreou na quinta-feira, 27. Entrou nas plataformas digitais Now, Oi, Vivo Play, Google Filmes, iTunes e YouTube. Tem sessões presenciais em salas de cinco praças – São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre e Maceió. 

Tudo se decidiu rapidamente e a urgência, aliás, era necessária, naquele ano de 2016. Lô achava que Dilma não aceitaria ser personagem de um documentário naquele momento difícil, mas ela aceitou. “Acho que pesou favoravelmente o fato de eu ter deixado claro que gostaria de fazer o filme com uma equipe só de mulheres.” A decisão mais difícil, para a própria Lô, foi admitir que talvez precisasse de uma codiretora. “Nunca havia trabalhado em regime de codireção, nem a Anna (Muylaert), que chamei para dirigir comigo.” E Anna: “Defini o conceito com a Lô, mas foi ela que ficou com a câmera, registrando tudo o que se passava no Palácio”. 

Dilma Rousseff em cena do documentário 'Alvorada' Foto: África Filmes/Divulgação

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Tudo – “Dilma nos franqueou o acesso ao Palácio inteiro que, afinal, era a residência dela. Só impôs uma restrição. Sua mãe estava hospedada no Alvorada, e não estava bem de saúde. Tirando ela, que deveria ser poupada, podíamos filmar onde e o que quiséssemos. Chegamos a um ponto em que ela simplesmente não sabia aonde estava a câmera”, conta Lô. Isso terminou tendo um efeito. “A câmera ficou invasiva demais, e num momento delicado para a presidente. Temi pela nossa relação. Todo dia eu achava que ela ia parar com aquilo, me mandar embora”, reflete Lô. E Anna – “Dá para perceber um movimento que ficou bem interessante. O filme começa com a câmera próxima da presidente e termina com ela sendo filmada em planos mais distantes”. 

Esse distanciamento pode ser abordado de outra forma, ou ângulo. “Todo esse material foi captado em 2016, há quase cinco anos. Filmamos muito, cerca de 400 horas, e isso levou a um processo de montagem longo. Também iniciamos o filme com dinheiro nosso, e depois tivemos de enfrentar a burocracia da Ancine, quando fomos atrás de recursos”, conta Anna. “De qualquer maneira, fico muito feliz de que o filme esteja estreando agora. Estamos vivenciando a etapa final de um processo que começou no impeachment e chegou a esse Brasil de (Jair) Bolsonaro e da pandemia”, diz Lô. 

Ela identifica uma espécie de nostalgia no filme. “Estamos filmando, num Palácio chamado de Alvorada, o crepúsculo de uma era.” Anna também considera o tempo aliado. “Hoje, consigo ver com mais clareza sobre o que é o nosso filme. O Alvorada é personagem, representa o poder. Todo o entorno de Dilma. Temos aquela quantidade de trabalhadores que mantêm o Palácio operando. Eles independem de quem está presidente. Os presidentes passam e a máquina que mantém o Palácio segue funcionando.” 

Garçons, cozinheiros, jardineiros, camareiras – há uma cena maravilhosa. A camareira senta-se na cadeira da presidente. Para o cinéfilo, a cena evoca Sergei M. Eisenstein no trono do czar, quando ele filmava a tomada do Palácio de Inverno, em Outubro. “Não foi nada intencional. Esse é um documentário de observação. Nada foi dirigido, nem aquela cena”, esclarece Lô. Os três planos do Palácio representam o poder que os adversários de Dilma almejavam capturar. Como muitas obras de Oscar Niemeyer, o Palácio é plástico, solene, mas também inóspito. “Não é para ser habitado, só o apartamento lá em cima” – o quarto da presidente.

O funcionário enxota o urubu, que funciona como uma ave de mau agouro da tragédia que se avizinha. E, enquanto isso, os Dragões da Independência, que representam para o público o cerimonial do poder, passam garbosamente para cá e para lá. Dilma mantém o autocontrole, a lucidez. Discute arte. No imenso Palácio, o que a câmera revela é a intimidade de uma mulher em chamas.

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