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"Adaptação" traz Nicolas Cage em dose dupla

O ator vive um roteirista em crise e seu irmão gêmeo bem-sucedido no filme de Spike Jonze e Charlie Kaufman, que estréia hoje. Para quem não torce no fã-clube de Cage, a dose dupla pode ser excessiva

Por Agencia Estado
Atualização:

Charlie Kaufman recebeu uma indicação para o Oscar de melhor roteiro original por Quero Ser John Malkovich. Não se pode dizer que o diretor Spike Jonze e ele repetem a fórmula em Adaptação, que estréia hoje no País. Mas há tantos pontos em comum que os filmes só poderiam ter sido feitos pela dupla. Os pós-modernos estão adorando. No recente Festival de Berlim, o trio principal, não apenas o diretor e o roteirista, mas também o ator Nicolas Cage - que interpreta gêmeos -, fez sensação. Com a de As Horas, de Stephen Daldry, a coletiva de Adaptação foi a mais concorrida, mais até do que a do filme de abertura, o musical Chicago, de Rob Marshall, com Richard Gere e Catherine Zeta-Jones. Adaptação ganhou o prêmio do júri, na forma de um Urso de Prata. Foi o que se pode chamar de solidariedade de pós-modernos - o presidente do júri era Atom Egoyan. Adaptação começa bem ou, pelo menos, de forma anticonvencional, mas o desfecho é o que há de banalidade hollywoodiana e que ninguém venha falar de ironia, por favor. De certa forma é a destruição do exercício intelectual que Kaufman e Jonze vinham montando, até então. Eles se defendem: "Trabalhamos aqui com certas idéias básicas", diz o diretor. "Interessava-nos mais o processo do que a conclusão", acrescenta o roteirista. Adaptação começa com uma autocitação. Kaufman e Jonze usam cenas no set de Quero Ser John Malkovich. Aparece o próprio Malkovich pedindo concentração e aplicando um corretivo na equipe. No meio de toda aquela gente você identifica Nicolas Cage, como se fosse Charlie Kaufman. Desta vez ele é contratado para adaptar um livro inadaptável: O Ladrão de Orquídeas, escrito por Susan Orlean. O livro existe de verdade. É a história de um caçador de flores raras nos pântanos da Flórida. Encobre uma metáfora sobre a vontade (ou a necessidade) de se viver com paixão. A idéia do filme é que Kaufman, contratado para escrever o roteiro, entra em pane criativa e fica bloqueado. A partir daí, o roteiro passa a ser metalingüístico, sobre a impossibilidade do autor de escrever. Kaufman tem um irmão gêmeo (e alter ego), Donald, que também quer ser roteirista e, seguindo suas indicações, escreve um roteiro que é comprado a peso de ouro por um grande estúdio de Hollywood. Isso só aumenta a depressão de Charlie. A dose dupla de Nicolas Cage pode ser um tanto excessiva, se você não torce no fã-clube do astro. Cage é definitivo: "Esse filme me ofereceu a oportunidade de fazer algo realmente original. Eu sou o escritor no filme em que apareço e o seu irmão gêmeo. É uma coisa meio cubista e, para mim, foi muito estimulante de fazer." Meryl Streep faz a autora do livro, Susan Orlean. "Meryl é fantástica", define Cage. E acrescenta, meio ambiguamente, que ela era maestra e mestra no set. Fornecia o diapasão para as interpretações de todos os atores. Jonze completa: "Meryl foi sempre minha primeira escolha para o papel e eu só posso estar feliz porque ela aceitou. Você não imagina como ela pode ser, ao mesmo tempo, séria e intensa ou, então, descontraída e engraçada. Meryl, no set, é uma garantia de alto-astral." Uma das curiosidades de Adaptação é mostrar a personagem de Meryl Streep em surto, fumando maconha e fazendo sexo selvagem. A história que corre é que foi usada uma dublê de corpo, claro, mas Jonze estimula a confusão ao dizer que Meryl ajudou a descontrair toda a equipe para a realização daquela cena, especificamente. E não adianta perguntar se ela conseguiu isso fazendo piada em cima do ato de olhar a dublê que simulava fazer o que ela deveria estar fazendo, uma situação digna da vivida pelo roteirista Charlie Kaufman em seu próprio script. Outra coisa que não adianta perguntar: se é tudo fake. Kaufman e Jonze querem que acreditemos que o primeiro teve dificuldades para desenvolver seu roteiro e o segundo incorporou esse bloqueio afetivo e profissional ao processo de criação, transformando o que seria a adaptação de O Ladrão de Orquídeas em Adaptation. Como idéia é forte, mas quando o filme vira uma história de perseguição e assassinato no pântano, no desfecho, é como se Adaptação, o filme, estivesse indo para o brejo. Já que se trata de um filme sobre adaptação e roteiro, é curioso saber o que essas pessoas pensam de um script. Nicolas Cage encara o problema do ponto de vista da funcionalidade. "O bom roteiro é aquele que atende aos objetivos da produção a que se destina", ele diz. Deve haver aí um reconhecimento de que há uma diferença grande entre a qualidade de roteiros como os de A Rocha e Con Air - Rota de Fuga, filmes de ação destinados a um consumo, digamos, alienado, e experiências intelectualmente mais ambiciosas como as de Despedida em Las Vegas, de Mike Figgis, que deu o Oscar ao ator, ou Adaptação, que poderá lhe dar de novo o prêmio. Para Jonze, o bom roteiro é aquele que lhe dá vontade de filmar. Para Kaufman, o bom roteiro é o que não dá estresse. Mas aí, sem estresse, ele não faria Adaptação. Kaufman corrige-se: o bom roteiro é o que estimula sua criatividade.

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