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Adaptação funde autor e personagem

Para fazer Palácio das Ilusões, Patricia Rozema somou às características da personagem do livro traços da própria escritora, Jane Austen

Por Agencia Estado
Atualização:

Cinema e literatura são artes diferentes, você sabe. Autores como o brasileiro Julio Bressane reclamam que o cinema, na maioria das vezes, adapta as tramas dos livros, sem preocupar-se em criar, na tela, equivalentes visuais para o estilo dos escritores. O próprio Bressane diz, por isso, que não adapta, mas transcodifica. Patricia Rozema confrontou-se com o problema ao ser convidada pela Miramax para dirigir a adaptação de Mansfield Park. Confessou isso à reportagem. O filme é bom, muito bom mesmo, se você considerar que o retrospecto da diretora canadense, com seu insatisfatório O Segredo do Quarto Branco, não animava muita expectativa. Patricia concorda que Mansfield Park, que no Brasil se chama Palácio das Ilusões, é seu melhor filme. "O mais maduro", ela mesma afirma. Baseia-se no terceiro romance de Jane Austen, publicado, originalmente, em 1814. Ao propor a adaptação, a Miramax, com certeza, pegava carona, embora um tanto tardiamente, na onda de adaptações de Jane que assolou o cinema, há alguns anos, a partir do sucesso de Razão e Sensibilidade, que Ang Lee dirigiu a partir do roteiro de Emma Thompson, em 1995. Patricia, que escreveu o roteiro de Palácio das Ilusões, sempre teve muito claro que jamais conseguiria captar a complexidade do livro. Mas, como ela diz, "o único aspecto de Jane que nunca apareceu na tela foi justamente a audácia e vitalidade da mulher". Daí a originalidade da sua adaptação: ela trai o livro para ser fiel à autora. Ao ser contatada pela Miramax, ela admite que, de cara, ficou tentada a usar a própria escritora como modelo para a personagem Fanny Price. Isso é trair o livro, pois a personagem Fanny é singularmente contida e passiva no romance e isso foi sempre motivo de perplexidade para os admiradores da escritora. O crítico e historiador Ronald Blythe não é o único a achar que Jane é capaz de tirar mais drama da moralidade do que a maioria dos escritores consegue tirar de acidentes, assassinatos ou batalhas. Jane foi sempre crítica em relação à sociedade na qual vivia. A história, meio Cinderela, trata de uma jovem pobre que é adotada pelos tios ricos e vai morar na mansão que dá título ao romance. Fanny só pode ascender socialmente por meio do casamento. É confrontada com temas como amor, contratros sociais escravidão, liberdade e civilidade. No livro, é frágil, cheia de vacilações e dúvidas, mas Patricia achou que seria uma boa idéia substituir a personalidade algo vacilante de Fanny pela muito mais firme de Jane. Como ela admite, a melhor forma de atualizar a angústia reprimida da heroína do livro era substituindo-a pela personalidade da escritora: idéias independentes, senso de humor aguçado e percepção moral. Para colocar tudo isso em Palácio das Ilusões, ela usou as cartas da própria Jane como referências para Fanny e suas falas. A Fanny do filme é assim um híbrido da Fanny do livro e de Jane. Patricia: "Desde o início, não queria fazer uma adaptação pomposa da obra literária; queria mostrar a paixão de Jane Austen, sua fé na humanidade, sua sabedoria e crença no amor; para isso, nada melhor do que transformar Fanny em Jane." No filme como no livro, Fanny é confrontada com religiosos, grandes proprietários e caçadoras de maridos esnobes, sendo esse um dos elementos pelos quais os críticos consideram Mansfield Park a obra mais autobiográfica da autora. Fanny apaixona-se pelo primo Bertrand, que quer ser clérigo, mas ele se interessa por outra. Na vida, a ligação mais famosa de Jane também foi com um jovem religioso. O filme, permeado de ironia, subverte o preconceito social pela idéia de que o verdadeiro amor é possível. Pode não ser um grande filme, mas tem qualidade (e classe). E Talya Gordon, que faz Fanny, é ótima. Serviço - Palácio das Ilusões (Mansfield Park). Drama. Direção de Patricia Rozema. Ing/99. 12 anos.

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