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"Abril Despedaçado" está na competição de Veneza

Elogiado pelo diretor do evento, filme de Walter Salles participa da 58.ª edição do festival. Dias com Nietzsche, de Júlio Bressane, será exibido em mostra paralela

Por Agencia Estado
Atualização:

Na sexta, Alberto Barbera, diretor do Festival de Cinema de Veneza, vai anunciar, em entrevista coletiva, os nomes dos filmes que farão parte da seleção oficial da 58.ª edição do evento. O Estado antecipa hoje a grande notícia, confirmada por Barbera em Nova York, com exclusividade: pela primeira vez, em quatro anos, uma produção do Brasil estará concorrendo na mostra oficial, ou seja, ao Leão de Ouro. Trata-se de Abril Despedaçado, dirigido por Walter Salles. "Vi o filme em Paris, onde Salles realiza o acabamento, e fiquei comovido", disse Barbera. Em 97, Walter Lima Jr. havia concorrido com A Ostra e o Vento. Na mostra Novos Territórios, que não é competitiva, Barbera vai apresentar outro título brasileiro: Dias com Nietzsche, 27.º longa de Julio Bressane. É a segunda vez em três anos que Bressane é convidado a participar do festival. Em 99, apresentou o seu bem recebido São Jerônimo. "Tem alguma coisa de radical e extremista em seus temas que lembra muito os cineastas europeus", diz Barbera. Há três anos à frente do festival, Barbera, de 51 anos, que já escreveu livros sobre Truffaut, Hitchcock e Erich von Stroheim, movimenta uma equipe de seis colaboradores ao redor do mundo que seleciona filmes para serem avaliados por um conselho de cinco pessoas. "É um processo que dura cerca de um ano." Quando não está assistindo a filmes no Palazzo del Cinema, em Veneza, Barbera pode ser encontrado vendo um pacote de produções recém-concluídas - e outras na reta final - em Londres, Paris, Los Angeles e Nova York. Na América do Norte, o braço direito de Barbera é a jornalista e crítica de cinema Giulia D´Agnolo Vallán, responsável por percorrer os festivais americanos e conferir até 200 títulos. Nesta edição, pelo menos 12 títulos americanos estão confirmados para as três mostras principais do festival, incluindo a participação de A.I. - Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, produção controversa nos EUA. Barbera ainda não havia decidido se o filme iria concorrer também ao Leão de Ouro ou passaria como hors-concours. Em sua passagem por Nova York, Barbera se encontrou com a reportagem do Estado. A 58.ª edição de Veneza, segundo seu diretor, não será um espaço para nomes consagrados. "Vamos exibir muitos filmes dirigidos por cineastas novatos e que despontam como boas promessas", disse. Haverá também homenagem ao cineasta francês Eric Rohmer, que recebe um Leão de Ouro por sua carreira. O Festival de Veneza começa no dia 29 de agosto com a exibição, fora da competição, de Dust, filme do macedônio Milcho Manchevski, que havia vencido o Leão de Ouro em 1994, com Antes da Chuva. A produção é estrelada por Joseph Fiennes e Anne Brochet. "É o segundo filme dele e é muito esperado porque Manchevski não conseguiu filmar por quase sete anos." Existe alguma mudança no festival deste ano? Alberto Barbera - Além da competição oficial, teremos outra mostra competitiva, que é a Cinema do Presente. No passado, a gente tinha quatro ou cinco sessões diferentes. O problema é que está cada dia mais difícil preencher lugares vazios com diferentes tipos de filmes. É mais importante focar em duas seleções. Um dos maiores problemas de todos os festivais é que os cineastas querem estar sempre em competição. E a atenção da imprensa também é focada apenas sobre os filmes que concorrem. Todo mundo tende a ignorar o restante. Às vezes temos excelentes filmes em mostras periféricas, que são completamente subestimados. Esperamos que, com duas competições, estejamos dando uma melhor exposição aos cineastas. E também forçamos a imprensa a prestar atenção. Também este ano teremos menos filmes que o normal. O sr. já pode apontar uma tendência específica para este ano? É difícil responder a essa pergunta, mas Veneza vai surpreender este ano pela quantidade de diretores desconhecidos. É bom ter Rohmer, David Lynch e Kiarostami em festivais, pois é uma maneira de confirmar a importância deles e do cinema de hoje, mas, ao mesmo tempo, é importante que você assuma alguns riscos, principalmente o de descobrir novos talentos. Como nos últimos anos do festival, grandes filmes vieram da Ásia e do Irã. Este ano, a gente vai ter um excelente filme iraniano, de um diretor novo, mas extremamente talentoso. Que riscos o sr. correu nas últimas duas edições de Veneza e que, mais tarde, ficou comprovado que estava certo? Todo ano a gente tem filmes controversos. Na minha primeira gestão, tivemos Lies, de coreano Sun-Woo Jang, que todo mundo detestou. Mais tarde o filme foi lançado na França e em outros países e as críticas foram todas favoráveis. O mesmo ocorreu no ano passado com o filme português O Fantasma, de João Pedro Rodrigues, e o coreano The Isle, de Ki-Duk Kim. É claro que esses filmes são difíceis, perturbadores até. Mas os críticos foram levados a analisar o contéudo deles mais tarde e a reação sempre foi mais positiva numa segunda avaliação. Veneza vai ter algum filme brasileiro nesta edição? Assisti, em Paris, a Abril Despedaçado, de Walter Salles. É um filme muito bom, com estilo interessante e estará na competição oficial. Também estaremos trazendo Bressane novamente. Qual foi a reação do sr. ao ver Abril Despedaçado? Na verdade, é um filme mais maduro, mais complexo e mais bem-sucedido do que Central do Brasil. O roteiro é muito bom e o visual é atordoante. A combinação de atores e não-atores é excelente. Não foi uma surpresa para mim, pois Walter Salles é um bom cineasta, todos nós sabemos disso. Mas fiquei bastante comovido depois da sessão. Com certeza será um dos grandes momentos do festival. Quais são as qualidades do cinema de Julio Bressane que o atraem? Há dois anos exibimos São Jerônimo numa das mostras paralelas. Acho que Bressane é um grande cineasta. Ele tem um ponto de vista pessoal e seu estilo pode muito bem ser comparado com o de alguns cineastas europeus, pois ele é exigente, radical e extremista ao lidar com seus temas. Sei que os filmes dele são quase todos desconhecidos do grande público e sua distribuição na Europa é quase inexistente, mas acho que Bressane é um cineasta subestimado e nós temos de dar todo apoio a um artista assim. Por que a escolha de Eric Rohmer para o Leão de Ouro honorário? Rohmer é um dos grandes cineastas ainda em atividade. Um dos mais fortes e, talvez, uma das mais subestimadas personalidades da nouvelle vague. Fiquei bastante surpreso por ele não ter sido convidado para a última edição de Cannes. Na verdade, o filme dele, L´Anglaise et le Duc, estava pronto e foi até submetido ao conselho do festival, mas acabou recusado. Foi fácil convencê-lo a receber o prêmio? Não. Rohmer é muito reservado e não gosta de aparecer em festivais. Nunca o fez em mais de 20 anos. Comecei a cortejá-lo em dezembro. Somente no último momento ele mudou de idéia. Fiquei surpreso. Rohmer vai falar com a imprensa e participar de uma mesa-redonda. Cineastas como Jean-Luc Godard e Peter Greenaway dizem que o cinema é uma arte em agonia. O sr. concorda? Não concordo com essa corrente segundo a qual o cinema está morrendo. Estamos em transição. Está claro que o cinema existirá no futuro. Vai ser diferente do que vimos até agora. Naturalmente isso é desorientador. E talvez essa seja a razão de não estarmos num grande momento de resultados no cinema. Tudo está mudando rápida e profundamente. Todos os cineastas tentam encontrar algo novo. Essa revolução, naturalmente, tem a ver com a entrada das câmeras digitais? Sim. O cinema digital vai afetar cada aspecto da indústria de cinema: do roteiro à pós-produção. Esse é um futuro claro. Os últimos festivais internacionais foram muito sintomáticos em apontar quem está oferecendo um cinema de qualidade. E a constatação é surpreendente: a velha guarda continua dando um olé na nova geração. O sr. concorda? Absolutamente. Basta ver os últimos filmes de (Manoel de) Oliveira, (Shohei) Imamura e Eric Rohmer. Exemplificando Rohmer, mais uma vez, o último trabalho dele é extremamente criativo e instigante. Parece o de um jovem cineasta que acabou de descobrir uma nova estética, uma nova linguagem. Mas sempre vai haver novas gerações de cineastas importantes. Em sua opinião, quem se sobressai neste momento? Os cineastas asiáticos, especialmente. Eles estão experimentando, estão avançando na linguagem. Naturalmente existem jovens talentos na Europa, mas eles não são muito encorajadores. Tenho o mesmo sentimento em relação ao cinema americano. Todo o esforço da indústria de Hollywood está sendo colocado na tecnologia e nos efeitos especias. Nesses campos, eles experimentam mais do que ninguém e agora procuram um novo meio de se expressar. Na América do Sul, a cinematografia mais interessante do momento é a da Argentina. O problema da América do Sul é sempre a falta de dinheiro. Na verdade, o cinema da Argentina será tema de retrospectiva em Veneza na próxima primavera. Em abril, vamos mostrar quase uma centenas de filmes. Os festivais internacionais, e em especial o de Veneza, tiveram grande importância na divulgação do cinema que se faz em alguns países asiáticos. Na última década, Veneza premiou dois filmes de Zhang Yimou, além de obras do vietnamita Anh Hung Tran; do japonês Takeshi Kitano e do iraniano Jafar Panahi. Por que essas regiões do planeta produzem os filmes mais relevantes há quase dez anos? Uma das razões mais evidentes é o fato de que em países onde o controle do Estado sobre a produção de filmes é intenso, os cineastas são forçados a confrontar a realidade e também a serem mais contundentes e originais. Mas nem toda a produção da Ásia é boa. São oito, nove, dez grandes cineastas asiáticos contra centenas de diretores nem tão expressivos assim. Existe a tendência na Europa do erotismo explícito no cinema. Longas como Romance e, mais recentemente, Baise-Moi, que estreou em Nova York no começo do mês e nem criou tanta polêmica assim como ocorreu na França, valem-se da pornografia hardcore para expressar suas histórias. Qual a razão desses filmes existirem? Acredito que seja conseqüência de a pornografia na civilização ocidental já não ser mais banida nem underground. É totalmente normal, já virou um produto. Você pode entrar numa banca e sair com um jornal e um vídeo pornô debaixo do braço. É incrível a extensão do consumo de artigos pornográficos. Como grandes antenas de nossa sociedade, era evidente que os cineastas usariam essa nova ferramenta para destruir um barreira. Um dos filmes mais controversos este ano nos EUA não têm nada de pornográfico. Trata-se de "A.I. - Inteligência Artificial", dirigido por Steven Spielberg a partir de uma história e conceito desenvolvidos por Stanley Kubrick. A crítica teve reações extremadas: alguns odiaram, outros amaram. O que achou do filme? É muito interessante. É claro que tem muitos problemas. Spielberg nem sempre é bem-sucedido em algumas cenas. Mas, ao mesmo tempo, é um dos filmes mais pessoais, mais ousados e criativos feito no cinema americano nos últimos dez anos. É tocante e também filosófico.

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