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A realidade grita nas telas, em 5 documentários

Estréiam na cidade 5 documentários: os brasileiros "Intervalo Clandestino", "Favela Rising", "Um Craque Chamado Divino", "O Sol" e o americano "Bolívia: História de uma Crise". Ao mesmo tempo, acontece o "Visible Evidence", encontro internacional de acadêmicos dedicados ao cinema documental

Por Agencia Estado
Atualização:

Pode chamar de acaso, mas tem mais jeito de ser uma tendência: cinco documentários estréiam simultaneamente no seletivo circuito comercial paulistano nesta sexta. São eles: os brasileiros "Intervalo Clandestino", "Favela Rising", "Um Craque Chamado Divino", "O Sol", e mais o norte-americano "Bolívia: História de uma Crise". Quer mais coincidência? Nesta mesma semana está se realizando em São Paulo o "Visible Evidence", badalado encontro internacional de acadêmicos dedicados ao cinema documental, que reuniu craques da reflexão teórica sobre o gênero como Jane Gaines e Catherine Benamou. A diversidade temática é das mais interessantes. "Intervalo Clandestino", de Eryk Rocha (filho de Glauber Rocha) tenta ser explicitamente político, um corpo-a-corpo com a opinião pública em pleno governo Lula e no ano eleitoral. "Favela Rising", dirigido por norte-americanos mas ambientado em Vigário Geral, tenta mostrar uma saída da arte contra a barbárie pelo trabalho do grupo Afro Reggae. "Um Craque Chamado Divino"refaz, para palmeirenses e amantes do futebol-arte em geral, a trajetória do grande Ademir da Guia. "O Sol", de Tetê Moraes, lembra o jornal alternativo que, com esse nome significativo e conteúdo libertário, tentava iluminar o Brasil do período das trevas. "Bolívia" foca atenção nos bastidores da eleição do presidente Gonzalo Sanchez de Lozada, em 2002, e a ação dos marqueteiros políticos. A diversidade estilística também está presente nessa amostra reforçada de documentários que estréia esta semana. Para fazer seu filme político, Eryk investe na inovação de linguagem que já caracterizava seu primeiro trabalho, "Rocha Que Voa", uma evocação e homenagem ao cinema do pai. "Favela Rising", captado em digital, usa todo um trabalho de cores e intervenções na pós-produção, uma tendência contemporânea. "O Sol e Divino" são trabalhos mais tradicionais, do ponto de vista da linguagem. Têm histórias a contar e trabalham com depoimentos, de forma comportada e eficaz. "Bolívia" é um exemplar do cinema-direto, gênero que tem no americano Robert Drew (de "Primary e Crisis") seu papa e profeta. Trata-se aqui de fazer um cinema de observação, que capta o acontecimento em seu estado nascente. Enfim, há filmes para todos os gostos. A hora e a vez do documentário Estaria chegando a hora e a vez do documentário, do assim chamado cinema do real? A reportagem foi fazer essa pergunta aos organizadores da edição brasileira do "Visible Evidence", a professora da USP Maria Dora Mourão e o jornalista Amir Labaki, diretor do festival de documentários "É Tudo Verdade". Aliás, os dois escreveram, a quatro mãos, um volume dedicado ao assunto e chamado, justamente, de "O Cinema do Real" Eles conversaram com a reportagem na Cinemateca Brasileira, onde se realizaram as projeções dos filmes e os debates. Maria Dora Mourão lembra que, nos últimos anos, a presença de documentários nas telas tem crescido, e que essa é uma tendência mundial e não apenas brasileira. Assim, não seria coincidência a estréia de cinco filmes do gênero numa capital cinéfila como São Paulo. "Acho que isso responde um pouco à necessidade que as pessoas sentem de entender melhor o mundo que as cerca", diz. No mundo da informação babilônica (e por isso superficial) as pessoas sentiriam falta de algo mais aprofundado que fale do mundo concreto onde vivem. Documentários entrariam no vácuo dessa carência e assim encontrariam no circuito comercial aquilo que os economistas chamam de "nicho de mercado" Os exibidores já teriam detectado essa tendência e por isso estariam abrindo as salas para o documental. Não que eles façam extraordinário sucesso de público. Ao contrário, os números são modestos. "Nunca farão tanta bilheteria como um filme ficcional de entretenimento", analisa Amir Labaki, ressalvando exceções como "Fahrenheit 11/9", de Michael Moore, panfleto anti-Bush que fez cerca de 900 mil espectadores só no Brasil. Labaki constata que a cada ano se bate um recorde de inscrições em seu festival "É Tudo Verdade". E, para ele, o fato de os documentários estarem chegando cada vez mais às salas, significa que o circuito acolhe, com certo atraso, a crescente importância do gênero no plano mundial. A importância do documentário no Brasil não é de hoje. Todos os diretores do Cinema Novo fizeram, em algum momento de suas carreiras, filmes documentais. Mas o cinema documentário mudou de função. "Naquela época queria-se mostrar um Brasil que os brasileiros não conheciam, com a pobreza ou o analfabetismo", diz Dora. "Hoje a proposta é outra; os documentários não são mais de tese, não usam mais o modelo sociológico; agora a proposta é levar o espectador a pensar nas questões e a concluir por si mesmo."

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