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A rainha do cinema indie fala de estupro e da tecnologia digital

"Senti que já era hora de fazer esse filme sobre minha experiência para encerrar todo meu sofrimento"

Por Agencia Estado
Atualização:

A cineasta Allison Anders está no Brasil para falar maravilhas sobre o cinema digital e mostrar por que é chamada pela imprensa internacional de rainha indie (cinema independente). Ela exibe nesta segunda-feira, no HSBC Belas Artes, em São Paulo, Things Behind The Sun, de 2001, longa-metragem premiado no Festival de Sundance, em que explora efeitos visuais que, diz, só poderiam ser alcançados em vídeo digital (DV, na sigla em inglês). As cores fazem os personagens saltarem da tela para marcar com força as memórias da roqueria atormentada Sherry (Kim Dickens). Como a própria Allison, a personagem foi estuprada anos atrás. O filme fala sobre como as pessoas passam por um trauma como esse, como se comportam e se curam, e discute, inclusive, como a sexualidade é afetada - a da vítima e também a do estuprador. "Há muitos filmes com cenas de estupro, mas poucos sobre o estupro em si. E, destes, nenhum fala sobre como sexualidade da vítima é abalada pelo trauma", diz ela. Com trilha do Sonic Youth e Rosana Arquette no elenco, Things Behind The Sun foi rodado em apenas duas semanas na Flórida, na mesma casa onde Allison foi estuprada pelo padrasto aos 12 anos. Discípula de Win Wenders, com quem trabalhou em Paris, Texas (1984), parceira de Quentin Tarantino (em Grande Hotel, 1995) e uma das diretoras do seriado Sex And The City, Allison vai dar uma aula de cinema fechada para alunos da Academia Internacional de Cinema, na quarta-feira. Lá mesmo, na sexta-feira, participa de um debate sobre cinema digital. E, nos intervalos, vai aproveitar para pesquisar tudo o que puder sobre o cinema e a música brasileira atual. A imprensa internacional se desmancha em elogios às cores de Things Behind The Sun. Como foi o processo para se chegar a um colorido tão impactante? Nós tivemos um time excelente de pós-produção, da The Orphanage, que fez os flashbacks parecem maravilhosos. O diretor de fotografia e eu selecionamos roupas de cores fortes para os personagens - e quando tiramos a saturação na pós-produção, elas se tornaram brilhantes. Foi perfeito para mim, porque parece um tipo de realidade muito intensa - e a memória do trauma é freqüentemente muito intensa nesse caso. Por que lançou o filme na televisão? Quando fomos vendê-lo, os distribuidores não se mostraram dispostos a pagar muito por um filme com material tão forte. O canal Showtime fez oferta melhor, e o resultado foi bom. Eu sabia que era um filme muito forte para levar as pessoas aos cinemas, ao mesmo tempo sentia que ele poderia significar muito para muitas mulheres e homens. Não quis correr o risco de deixá-lo quase inédito. Na TV, 5 milhões de pessoas viram o filme na primeira vez em que ele foi ao ar. O que a levou a filmar seu trauma? Senti que já era hora de fazer esse filme sobre minha experiência para encerrar todo meu sofrimento. Tinha também a esperança de que ajudasse outras pessoas a superaram o problema como eu superei. Como falar sobre sexualidade e estupro no mesmo filme? Eu quis mostrar que a sexualidade da vítima de estupro sofre tanto abalo quanto qualquer outro campo de sua vida. Por que decidiu abordar efeitos do estupro na mente do estuprador? Quis mostrar que ninguém sai ileso disso. E que os estupradores pagam um preço espiritual, emocional e sexual - o que é até compreensível -, que eu acho que nunca vá ter fim. Sei que é grande defensora do DV. Por que você costuma dizer que ele é uma poderosa arma para as mulheres na indústria cinematográfica? A câmera de cinema é uma linguagem historicamente dominada por homens. Com a DV, a linguagem está aberta a todos. Eu amo a facilidade e a liberdade da linguagem DV. Como foi trabalhar com Quentin Tarantino e Win Wenders? Wenders foi meu mentor. Ele influenciou tudo o que eu fiz até hoje no cinema. Eu o admiro demais. Quentin é hilário, vivemos momentos muito divertidos juntos. Sinto saudades. E Sex and the City? Como é transitar entre o cinema independente e um grande sucesso de TV? Nos meus filmes, eu sou a que mais conhece o roteiro e os personagens - tenho todas as respostas, é um bebê e eu, a mãe. Mas num episódio de TV, todo mundo sabe mais do que eu sobre os personagens - definitivamente não é meu bebê. Fui uma mãe provisória de Sex And The City, e sabia que teria de entregá-lo para outro diretor um dia. Nesta visita ao Brasil, você vai dar uma aula de direção. O que uma diretora americana independente pode dizer para estudantes que estão na periferia da indústria de cinema? Quero aprender também. Quero saber tudo sobre esta indústria que esses estudantes vão consolidar um dia no Brasil. Também quero muito conhecer o cinema brasileiro contemporâneo, e ouvir todas as novas bandas brasileiras. Estou muito interessada em filmes sobre música brasileira, para o festival que organizo em Los Angeles.

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