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A pandemia está transformando a maneira como os indicados ao Oscar são escolhidos

Os rituais da temporada de prêmios, com cerimônias, painéis de discussão, recepções e coquetéis de luxo, não puderam ocorrer neste ano; especialistas avaliam que essas mudanças podem trazer um grupo grande de candidatos desconhecidos e sem nenhum favoritismo para o palco da premiação

Por Steven Zeitchik
Atualização:

Em um ano normal, o inverno (no hemisfério norte) é a temporada das premiações, quando centenas de filmes, cerimônias, painéis de discussão, recepções e coquetéis de luxo lotam os calendários sociais dos profissionais de cinema em Los Angeles, Londres e Nova York.

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Nesta torrente vertiginosa de eventos - particularmente na semana da entrega do Globo de Ouro, e com o início da votação para escolha dos indicados para o Oscar na sexta-feira, 5 - os candidatos sorriem, contam histórias de guerra e pacientemente repetem seu processo para os profissionais da área e aposentados que decidem sua sorte tendo à mão uma taça de vinho e um prato de aperitivos.

O processo ajuda na escolha dos filmes que entrarão na competição pelos prêmios, é uma espécie de mente de colmeia, ou mente coletiva, que se forma em torno dos principais candidatos da temporada.

Este ano essa mente parece vazia.

A falta de reuniões presenciais também significa ausência de feedback. No início da temporada, uma maneira de saber que candidato tem força é vendo as reações durante a exibição do filme ou numa festa. Foto: REUTERS/Mike Blake

A pandemia transformou os rituais da temporada de prêmios, movendo alguns painéis de discussão para o Zoom e eliminando vários outros. Em seu lugar, os eleitores assistem e analisam os filmes nas suas telas em suas salas de estar, a partir de um portal criado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O eleitor abre o aplicativo e depara com 177 filmes para analisar, com pouca orientação sobre o que assistir.

Em entrevistas feitas com 14 executivos e consultores que conduzem as campanhas para influenciar a decisão desses votantes, eles citaram o enorme custo disso, uma vez que uma atividade que normalmente se realiza em locais glamorosos para festejar calamidades fictícias, hoje busca sobreviver a uma que é real. As mudanças deram origem a um novo setor subalterno e podem trazer um grupo grande de candidatos desconhecidos e sem nenhum favoritismo, para o palco do Oscar quando a cerimônia for ao ar em 25 de abril.

“Sem todos esses eventos, esta pode ser a temporada de prêmios mais modesta”, disse Dave Karger, especialista em premiações e uma personalidade da rede de cabo TCM. “E também a mais estranha”.

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A falta de reuniões presenciais já teve um efeito surreal sobre o Globo de Ouro. Quando os vencedores dos prêmios (decidido por 90 jornalistas da Associação de Jornalistas Estrangeiros de Hollywood) foram anunciados no último domingo, eles vieram de uma lista que inclui filmes de peso como o drama de Kate Hudson (Music), e filmes que alguns experts jamais ouviram falar até serem indicados.

“Sem uma campanha, nenhum evento e poucos cartazes de promoção dos filmes, não existe mais o habitual consenso geral e os eleitores reagem ao que realmente pensam”, disse, pelo Twitter, de Mathew Belloni, ex-editor do Hollywood Reporter, após o anúncio dos indicados ao Globo de Ouro. “E quanto ao Oscar, pode ser igualmente chocante”, acrescentou.

O fã de cinema comum pode desconhecer os gastos frenéticos com publicidade, compêndios referentes a fatos e informações dos filmes, os contatos e a marcação de presença que tipicamente precedem as grandes premiações - tudo para aumentar a atenção e no final conquistar o apoio dos 9.900 membros da academia que votam no caso do Oscar.

O esforço criou um setor paralelo dentro de uma indústria de entretenimento mais ampla. O grupo inclui uma dezena de veteranos bem conectados que trabalham com os departamentos internos dos estúdios para realizar eventos, comprar anúncios e inserir matérias na mídia. O objetivo é aumentar a visibilidade dos clientes e conseguir indicações em uma série de premiações que, além do Oscar, abrangem o outorgado pela Academia Britânica de Artes do Cinema e Televisão (Bafta, na sigla em inglês), os Gothams e o Independent Spirit Awards, grupos de críticos de cinema, o Globo de Ouro e outros.

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O custo de uma campanha pode superar os 20 milhões de dólares por filme, mas os executivos acham que esse custo vale a pena - em termos de marketing, relações, e naturalmente, a oportunidade de ostentarem. As campanhas têm uma função de nivelar o campo, particularmente para muitos de Los Angeles - e os insiders baseados em Nova York que, sem esses eventos, votam simplesmente pelos filmes em que o maior número de seus amigos trabalham.

No ano passado, o prêmio de melhor filme, que surpreendeu todo mundo, Parasita, de Bong Joon-ho, foi ganho graças em parte a Bong e as estrelas do filme que repetidamente tentaram encantar os eleitores, o que contribuiu para despertar a atenção para um filme em língua coreana que do contrário nem seria notado. Uma dinâmica similar ocorreu no caso de A Forma da Água, de Guillermo del Toro, em 2017-2018. Uma temporada com menos estardalhaço não é suscetível a lobby, dizem os especialistas. Mas tudo fica mais difícil para os desconhecidos.

“Estou achando que este ano está muito complicado”, disse um consultor que trabalhou em várias campanhas de promoção bem-sucedidas. “Não há muitas maneiras de tornar o seu filme conhecido das pessoas”.

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As estatuetas à espera Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

Mesmo candidatos de peso se sentem à deriva, com os eleitores tendo à frente opções, mas com pouca sinalização.

“Existe uma incerteza quanto o que as pessoas estão pensando e onde encontra-las”, disse Jeffrey Sharp, produtor e vencedor do Oscar com o filme Boys Don’t Cry e diretor do Gotham Film and Media Institute. “Estamos perdendo eventos que nos ajudam em tudo isto”.

A falta de reuniões presenciais também significa ausência de feedback. No início da temporada, uma maneira de saber que candidato tem força é vendo as reações durante a exibição do filme ou numa festa. “É impossível fazer uma campanha durante uma pandemia”, afirmou um executivo de uma companhia. “É criar uma estratégia e planejamento em águas movediças”.

A eliminação dessas reuniões também afeta uma miríade de restaurantes, serviços de limusines, serviços de bufês, espaços de festas, empresas de limpeza, para os quais a temporada de prêmios é um meio de sobrevivência. Alex Darbahani, fundador e chairman da KLS Worldwide Chauffeured Services, que transporta executivos e artistas durante a temporada, diz que sua empresa foi dizimada.

Num mês repleto de cerimônias de entrega de prêmios, disse ele, a sua empresa costuma reservar 400 carros num determinado dia, gerando uma receita de cerca de 3 milhões de dólares, buscando e levando pessoas nos aeroportos, ou em cerimônias, eventos da imprensa, hotéis e outros tipos de compromissos.

Agora as reservas são para menos de 80 carros, e a receita mensal encolheu, chegando a 200 mil dólares.

Os estúdios também vêm sofrendo, sem o impacto das bilheterias, quando o público vai ao cinema em resposta às premiações.

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Isso não tem freado algumas companhias de gastarem. As regras da academia proíbem qualquer material de propaganda além do filme em DVD. Mas permitem uma “première”, no dia em que um filme é lançado nos serviços digitais.

A Netflix usou a regra para um bloqueio do lockdown num programa controvertido em 2019. Por exemplo, para uma estreia em 16 de janeiro, os encarregados das campanhas enviaram um jantar do Craig-s, local de encontro de celebridades em Hollywood, para os eleitores em Los Angeles. E aqueles que votavam e estavam em outras partes do país receberam um bônus de presente de 100 dólares para o Uber Eats.

O filme promovido foi o drama de relacionamento de Zendaya e John David Washington, Malcom & Marie, considerado um candidato pouco provável ao Oscar. Outros estúdios enviaram garrafas de luxo de bebida, uma maneira de relacionar seus candidatos com a classe.

Por outro lado, filmes como Nomadland, de Chloé Zhao, da Searchlight Pictures, unidade da Disney, preferiu se centralizar no painel.

O filme, estrelado por Frances McDormand no papel de uma migrante em busca de trabalho e, ocasionalmente companheirismo, no oeste americano moderno, é um candidato preferencial depois de conquistar prêmios em festivais como o de Veneza e Toronto, de um grupo de críticos nacionais, no Gotham e faturar o Globo de Ouro.

Searchlight usou edições virtuais de festivais para mostrar o filme e seus artistas, um enfoque convencional em tempos nada convencionais. Zhao falou sobre a razão de ter se voltado para o oeste e que queria enviar uma mensagem da capacidade dos filmes de gerarem um espírito de comunidade em tempos difíceis.

“O cinema tem a ver com compartilhamento”, disse ela após conquistar o prêmio Gotham de melhor filme. “Está no nosso DNA o desejo de nos conectarmos com o outro”. O filme foi lançado na plataforma Hulu e nos cinemas tradicionais em 19 de fevereiro.

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Mais do que as campanhas, os candidatos também estão mudando.

Com a pandemia forçando os estúdios a adiarem os grandes lançamentos, sucessos de público como Bohemia Rhapsody ou Nasce uma Estrela, estão ausentes. West Side Story, de Steven Spielberg, por exemplo, competirá no próximo ano, uma vez que seu lançamento foi adiado para dezembro de 2021.

O que tem dado espaço para filmes menores de empresas independentes, como Nomadland, Bela Vingança, uma fantasia de vingança feminista, e o drama coreano-americano Minari.

E tem dado primazia aos filmes das plataformas de streaming, que não adiaram suas estreias. Netflix tem muitos: Da 5 Bloods, uma história ambientada no Vietnã, de Spike Lee, Os Sete de Chicago, de Aaron Sorkin, e a adaptação de August Wilson de A Voz Suprema do Blues, com Chadwick Boseman em seu último papel. Amazon é uma candidata forte com o drama Uma Noite em Miami, que imagina uma conversa sobre o movimento pelos direitos civis entre Cassius Clay, Sam Cooke, Jim Brown e Malcom X.

Mas fora Nomadland, que ganhou muita força na mídia social, poucos candidatos chamaram muita atenção. O que causa motivos de preocupação sobre um Oscar muito sombrio.

“A política é estressante. Vivemos uma pandemia. Não estou certo se as pessoas desejam se afastar de tudo isto para assistir um filme realmente difícil”. Disse Tony Angelloti, consultor, que está batalhando com dois dos raros filmes de estúdio mais alentadores que estão na competição, Soul e Relatos do Mundo.

Alguns veem nesses candidatos uma mudança revigorante, será uma chance de que filmes que normalmente seriam colocados de lado consigam se destacar e refletir o que as pessoas vêm sofrendo.

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Outros, contudo, indagam se a lista limitada deste ano afetará apenas uma cerimônia que já vem ficando compartimentada.

“A transformação do Oscar numa celebração de filmes independentes e pouco convencionais vistos apenas por um punhado de pessoas não produz maravilhas junto ao público que assiste”, observou Richard Rushfield, que insistiu para a cerimônia ser cancelada no seu informativo The Ankler.

“Como acha que o público reagirá quando você coloca num show não só filmes vistos por um pequeno número de pessoas, mas filmes que não foram vistos por ninguém?”.

Tradução de Terezinha Martino

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