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A Noiva Síria é história kafkiana filmada no Oriente Médio

O longa de Eran Riklis desvenda a tragicomédia da burocracia causada pelos conflitos entre Israel e países árabes

Por Agencia Estado
Atualização:

Como classificar A Noiva Síria? Um drama da guerra? Tragicomédia de fronteira? Ensaio agridoce sobre a insensatez humana? Possivelmente esse pequeno filme de Eran Riklis seja um pouco de tudo isso. A história dele se passa na pequena comunidade drusa de Majdal Shams, nas colinas de Golan. Eles vivem encravados entre Israel e Síria e, como seu território é objeto de disputa, têm nacionalidade "indefinida" segundo o jargão oficial. A história é a de uma moça drusa que vai se casar com um conterrâneo, ator de telenovelas. Os noivos não se conhecem pessoalmente. Ela mora no lado israelense; ele no lado sírio. Para o casamento acontecer, ela tem de cruzar a fronteira. Sabe que uma vez que tiver passado para o outro lado, não poderá mais voltar para sua família. É um passo decisivo, mas ela está disposta a fazê-lo. Não conta é com as loucuras da rígida burocracia de parte a parte. Riklis sabe que sua história tem de render um pouco mais além do plot burocrático da fronteira, kafkiano à sua maneira. Por isso, "recheia" a trama com uma crônica familiar drusa. E também nesse ponto o filme é crítico. Mostra como os costumes rígidos perturbam de maneira absurda uma vida já em si complicada em função dos conflitos da região. Um ponto se destaca: o patriarcalismo inflexível, que, por exemplo, não permite a uma mulher casada, com os filhos já criados, estudar na universidade, como é seu desejo. E, nesse particular, como em outros, A Noiva Síria revela-se um filme profundamente feminino, se não feminista. É mulher a personagem em torno da qual tudo gira, a noiva propriamente dita. Também são mulheres as outras personagens-chave da situação. Tanto a dona de casa que deseja estudar quanto a jovem francesa, voluntária das forças da ONU, que procura, com sua boa vontade, desfazer o nó burocrático que impede o casamento. As mulheres são a faceta positiva num mundo másculo e enlouquecido pela guerra, pelas rivalidades tribais e costumes opressivos. Muito pouco discursivo, aliás nada dogmático, esse filme modesto insinua que o poder masculino pode não ter seus dias contados, como seria de se desejar, mas não consegue mais administrar conflitos que ele mesmo criou. Dito isso, ressalte-se que se os homens do local, sejam sírios, drusos ou israelenses, parecem às vezes se comportar como patetas birrentos, nem por isso são retratados sob a forma de caricaturas. Se parecem idiotas é menos por vontade própria do que pelo sistema de regras que herdaram de outros e os ultrapassa. Eran Riklis mora em Tel-Aviv mas se recusa a fazer cinema partidário ou xenófobo. Parece que gosta de levar em conta os sentimentos do outro lado da fronteira, o que é uma forma civilizada tanto de filmar como de viver. Aliás, uma coisa é função da outra. A Noiva Síria (The Syrian Bride, Fr- Ale- Isr/2004, 97 min. ) - Drama. Dir. Eran Riklis. Livre. Sala UOL - 14 h, 16 h, 18 h, 20 h, 22 h. Unibanco Arteplex 7 - 14 h, 16 h, 18 h, 20 h, 22 h (sáb. também 0 h). Cotação: Bom

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