‘A Mulher Que Fugiu’ traz improvisação e narrativa enxuta de Hong Sang-soo

Longa conta a história de mulher que nunca saiu de perto do marido em cinco anos, mas aí ele precisa viajar e ela passa a visitar amigas

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Há dois anos, o ator Jeremy Irons presidia o júri da Berlinale, que era integrado por Kleber Mendonça Filho. Coube ao grande diretor brasileiro atribuir o Urso de Prata ao autor sul-coreano Hong Sang-soo. Ele venceu justamente na categoria de direção. Kleber fez um discurso breve elogiando Hong. Tanto quanto a excelência artística, estava feliz por premiar um gatófilo. Hein? A Mulher Que Fugiu, que estreia esta semana, é sobre a personagem de Kim Min-Hee. Nos últimos cinco anos, ela não se cansa de dizer que não ficou um só dia longe do marido. Agora, ele precisou viajar a trabalho e Kim visita ou reencontra três amigas. A narrativa de enxutos 77 minutos aborda cada um desses encontros.  Uma boa refeição, no primeiro, outra não tão boa, no segundo. As amigas conversam, bebem. O terceiro encontro é num cinema. Os homens estão presentes, mas quase não aparecem. E as próprias mulheres parecem aprisionadas em suas casas – vidas? Há muita natureza lá fora. Montanhas, árvores, mas quase sempre esse mundo exterior é visto através do vidro e até da grade no peitoril da janela. Revelam o quê? Uma insatisfação dessas mulheres? Um bate-boca ocorre justamente quando alguém vem reclamar do fato de uma dessas mulheres alimentar os gatos vagabundos que adentram o condomínio. O lado gatófilo de Hong e de seu colega brasileiro. 

Cena do filme A Mulher que Fugiu, de Hong Sang-soo. Foto: Jeonwonsa Film

Concisão, observação e precisão são palavras usadas para definir o estilo de Hong, que costuma ser comparado a Eric Rohmer. Seria – Hong – o último nouvelle vague. O que ele está fazendo, como o autor francês, é usar sua estética para criar os contos morais da Coreia do Sul. É um cinema minimalista, falando de relações preferencialmente héteros.  Outros críticos preferem destacar a base literária de seus filmes – muitos diálogos, pontuais silêncios – e aí a comparação é com Alice Munro, por exemplo. Nada indica que Kim Min-Hee esteja fugindo no filme, mas, então, por que o título? Calma, você vai saber. Em Berlim, na coletiva do filme – era o quarto dele na Berlinale –, Hong falou sobre um dos segredos mais bem guardados de seu cinema, a improvisação. São filmes muito bem escritos e interpretados e, embora a câmera intervenha por meio de movimentos de aproximação e afastamento da lente zoom, a sensação é de espontaneidade, como se a realidade estivesse sendo captada sem interferência.  “Quando começo a rodagem de um filme, nunca tenho ideias muito precisas de estrutura nem de relato. Começo sempre com uma ideia que me parece atraente, e é a partir daí que tudo se desenvolve. A ideia pode funcionar, ou não. Dependendo da resposta, o filme começa a tomar forma na própria rodagem, ou então necessita de mudanças, de outras tentativas.” Em A Mulher Que Fugiu, interessa-lhe abordar, de novo, o universo feminino. Kim explica: “Hong trabalha com roteiro. Tem os diálogos escritos, sobre os quais (nós atores) trabalhamos, mas tudo vai depender de nossa interação. Depende muito da nossa troca. Hong acredita que a emoção deve fluir no set. E tem um olhar muito sensível para captar o que ocorre diante da câmera. Se a coisa não está fluindo ele logo percebe e tenta outra via”.

Kim tem sido a companheira de Hong, na arte e na vida, desde 2015, quando fizeram Certo Agora, Errado Antes. O romance instantâneo provocou escândalo no país, mas ao longo de sete anos, desde então, ambos silenciaram os críticos da união. O cinéfilo só tem a agradecer. Kim tem sido a musa inspiradora do autor. Há dois anos, outro sul-coreano fez história no Oscar ao vencer em quatro categorias, incluindo as principais – Bong Joon-ho venceu como melhor filme, direção, roteiro (original) e filme internacional com Parasita. Bong impôs-se internacionalmente por seu domínio dos códigos de gêneros. É respeitado, e respeitável, mas, dependendo do olhar de quem vê, autores mais intimistas como Hong, ou mais poéticos como Lee Chang-dong, de Em Chamas/Burning, podem ser considerados maiores. Perguntem, e Hong dirá que o segredo de seu cinema está em evitar as generalizações. 

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