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'A Morte de J.P. Cuenca' trafega entre ficção e documentário

Filme causa estranheza por causa da técnica intencionalmente precária

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Desde o Festival do Rio, no ano passado, o escritor J.P. Cuenca conta sempre a mesma história para explicar a gênese de seu longa como diretor, A Morte de J.P. Cuenca. Desde que virou uma celebridade no mercado editorial, tem sido convidado a falar para plateias que – ele percebeu – nem conhecem seus livros. Muita gente não os lê depois, mas curte a performance do escritor como narrador de si mesmo. Cuenca radicalizou, fazendo um filme. Na verdade, o desejo de ser diretor é mais antigo e até anterior à escrita. Surgiu o projeto que engloba livro e filme.

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O filme, Cuenca esclarece na entrevista acima, não é uma adaptação do livro. Ambos se complementam, mas possuem identidades próprias. E justamente é de identidade que trata A Morte de J.P. Cuenca. O autor baseou-se num incidente real. Há tempos, ele teve o RG roubado. O documento reapareceu entre os pertences de um morto num prédio decadente. Confundido com o falecido, Cuenca teve de enfrentar a burocracia para provar que está vivo. Fez mais – resolveu investigar o que ocorreu. Dessa investigação, com direito a detetive e tudo, nasceu o filme. O resultado é uma obra original, que trafega entre ficção e documentário.

É interessante lembrar que a diretora Sandra Kogut transformou em filme – Passaporte Húngaro – seu processo de obtenção de um passaporte europeu. Mais até do que Sandra – porque seu filme/livro o confronta com a própria morte –, Cuenca propõe uma reflexão que vai além da sua identidade. Alguns críticos o estão comparando a A Bruta Flor do Querer, da dupla Andradina Azevedo e Duda Andrade. O filme dos garotos é sobre dois amigos que querem estrear na direção. Filmam o próprio umbigo, as dores de amores, o sexo (explícito).

Andradina e Duda foram chamados de autocentrados, exibicionistas. Por que não sinceros? Cuenca também se exibe em proezas sexuais, mas o filme não fica só nisso. A crônica de sua morte é também, de certa forma, a de uma cidade. O corpo é descoberto na Lapa, um bairro tradicional da malandragem carioca. E o Rio que ele filma é uma cidade em construção – em processo de transformação. Muitos diretores – Eryk Rocha, Bruno Safadi e agora Cuenca – têm filmado a reurbanização do Rio, como preparativo para a Olimpíada que já vai começar. A implosão/reconstrução de uma cidade pode ser metaforizada na experiência de um homem? É a questão que move A Morte de J.P. Cuenca (o filme).

Boa parte do estranhamento que o filme provoca se deve à técnica, intencionalmente precária, que o diretor estreante adota em muitas cenas. O próprio elenco é quase todo não profissional, incluindo o próprio Cuenca. Tudo isso já rendeu um rótulo a A Morte de J.P. Cuenca. Depois da cosmética da fome (no tempo de Cidade de Deus), temos a fetichização da miséria. Só falta agora Cuenca levar público às salas para ver seu experimento. O filme médio brasileiro não está atraindo plateias. Se conseguir, Cuenca será um fenômeno. Causar, e com público, não é fácil.

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