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A luz de Kore-eda e a beleza dolorida de ‘Pais e Filhos’

Diretor tem feito alguns dos mais belos filmes japoneses dos últimos 15 ou 20 anos

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Hirokazu Kore-eda tem feito alguns dos mais belos filmes japoneses dos últimos 15 ou 20 anos. Maborosi – A Luz da Ilusão, Depois da Vida, Ninguém Pode Saber e agora Pais e Filhos. É um diretor que se interessa pela família e gosta de filtrar o mundo pelos olhos das crianças. Família, no cinema japonês, é indissociável do nome do mestre Yasujiro Ozu, homenageado com uma retrospectiva na Mostra deste ano. Num encontro com o repórter em Cannes, em maio – Pais e Filhos recebeu o prêmio do júri presidido por Steven Spielberg –, Kore-eda disse que Ozu é sempre uma referência, ou melhor, um patamar de cinema muito alto e difícil de alcançar. “Não fiz o filme porque quisesse me ombrear com ele, mas porque a história mexeu comigo.”

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E por que mexeu? “Sou pai e isso me dá uma perspectiva diferenciada. Tenho pensado nos laços de família, mas também, afinal, no que nos une. A paternidade é consanguínea, mas também é um dado cultural. E foi sobre isso que quis refletir com essa história.” Pais e Filhos mostra dois homens e suas famílias. Um executivo bem-sucedido e o dono de uma oficina. A vida de ambos vai mudar. Um exame de rotina na escola revela que o filho do ricaço não possui o grupo sanguíneo dos pais. Começa uma investigação que leva à descoberta arrasadora – o bebê foi trocado na incubadora. As investigações prosseguem, o outro bebê é localizado e as famílias, para fazer a coisa certa, resolvem trocar os filhos. As crianças têm consciência do significado da mudança. Não só elas, as famílias também têm de se adaptar. E é difícil para todo o mundo. No Japão, e em Cannes, o título era outro – Tal Pai, tal Filho. Por que as crianças possuem características que as unem aos pais. São componentes de hereditariedade, ou culturais?

Kore-eda gosta de filmar crianças. Diz que é possível revelar o mundo adulto pelo olhar da criança de forma muito interessante. Sem idealizar, ele busca na criança a sua inocência, a pureza. É como a luz filtrando a escuridão (e a ilusão) em Maborosi. Uma maneira fácil, e empobrecedora, de ver Pais e Filhos – e alguns críticos têm feito isso, desde Cannes – consiste em acreditar que a arquitetura dramática, a curva, é sob medida para que se chegue a uma humanização do executivo que tinha outras prioridades e vai mudar. Pais e Filhos é mais que isso. Talvez o finalzinho seja excessivo – o filme seria mais forte se terminasse em suspense, com pai e filho caminhando paralelamente (veja para saber do que se trata). Talvez, mas nada tira a beleza e o rigor do cinema de Kore-eda. Spielberg, de tão tocado, não só premiou como comprou os direitos e vai refilmar a história? Vai adocicar? Mesmo para um Spielberg, será difícil superar Kore-eda.

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