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‘A Linguagem do Coração’ faz lembrar obras de Penn e Truffaut

O francês Améris retoma códigos do gênero que usou em ‘O Homem Que Ri’ numa história de garota selvagem

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

É interessante como um pequeno filme como A Linguagem do Coração pode reverberar no imaginário do cinéfilo, fazendo lembrar grandes filmes que fazem parte da lenda – O Milagre de Anne Sullivan, de Arthur Penn; O Garoto Selvagem, de François Truffaut; e O Enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog. E não é porque o diretor Jean-Pierre Améris faça referência a esses filmes, ou deles se aproprie, mas porque a história de Marie Heurtin, que também é real, se desenrola num território parecido e todos tratam do mesmo choque inicial. Marie é cega e surda como Helen Keller, no filme de Penn. Assemelha-se a um bicho, como o enfant sauvage de Truffaut, e, embora sua identidade não comporte um enigma, como a de Kaspar Hauser, o filme de Améris, como o de Herzog e os demais, é sobre a dificuldade de ensinar, e aprender.

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Vivendo como bicho, Marie grunhe. Não fala, porque no seu isolamento – nas trevas em que vive – não possui vocabulário. O pai, para quem a filha é um fardo, entrega-a às religiosas, mas a própria madre também quer se ver livre de Marie, com a alegação de que o convento não tem estrutura nem gente para tratar do caso. Mas tem ‘soeur’ Marie Marguerite e a religiosa interpretada por Isabelle Carré convence a madre a ficar com a garota.

Quem viu O Milagre de Penn deve-se lembrar da luta heroica de Anne Sullivan para retirar Helen Keller de seu isolamento. Como dotá-la de uma linguagem? E, se ela não ouve nem vê nem fala, como fazê-la ligar a linguagem das mãos a conceitos/palavras, sejam concretos ou abstratos? No filme de Penn, a chave é a água. O cinéfilo que conhece o filme antigo pensa – o quê ou qual será a água de Améris? Veja, e o importante é que irmã Marie Marguerite quebra o isolamento da garota.

Logo no começo, o rosto de Marie ocupa a tela. Parece em êxtase. A câmera afasta-se e revela outra coisa. A alegria selvagem vem do sol, do vento, que ela percebe sem decifrar. A cena carrega todo o filme de Améris. Marie é uma prisioneira do próprio corpo, à espera de se libertar. A libertação, graças à interferência da irmã, adquire contornos de religiosidade/elevação.

O filme não é grande como os citados no começo, mas é bom. Da linguagem do coração, Améris entende. É o diretor de O Homem Que Ri, que adaptou (também com o roteirista Guillaume Laurant) de Victor Hugo, com Gérard Depardieu. Améris trabalha com códigos do melodrama. Estabelece uma relação maternal. As atrizes são ótimas (Ariana Rivoire é surda e parcialmente cega, de nascença). É emocionante.

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