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?A Língua das Mariposas? é forte e triste

Don Gregorio é um mestre exemplar, que usa a língua das mariposas para ensinar a Moncho literatura, amor, sexo, vida. O filme fala da inocência perdida durante o franquismo

Por Agencia Estado
Atualização:

Para o espectador que entra no cinema sem saber muita coisa sobre A Língua das Mariposas, o filme do espanhol José Luis Cuerda reserva, desde o início, algumas surpresas. Você olha os créditos e surge o nome de Rafael Azcona como autor do roteiro. Foi o roteirista dos filmes da primeira fase de Marco Ferreri, os que ele fez na Espanha. E logo surge outra colaboração um tanto inesperada e surpreendente: música de Alejandro Amenábar, o diretor de Os Outros (com Nicole Kidman). Cuerda soube cercar-se de colaboradores talentosos. A esses nomes se soma o de Fernando Fernán Gómez no elenco. Por mais que o cinema seja uma atividade criativa de muitos, o filme esteticamente, possui um autor e esse é o diretor. Pois Cuerda fez um bom, um belo filme. A Língua das Mariposas é o filme mais forte e triste a surgir nos últimos tempos sobre o tema da inocência perdida. É a inocência de um garoto, interpretado por Manuel Lozano. Chama-se Moncho. Logo no começo, ele está acordado, de madrugada. Recusa-se a dormir, com medo do que o amanhã lhe reserva. É o início das aulas e ele ouviu falar que o professor tem o hábito de bater nos alunos. O professor é um velho. Fernán Gómez interpreta Don Gregorio. É um doce de criatura. Republicano, na Espanha dos anos 30, ele compartilha dos mesmos ideais políticos do pai de Moncho. Introduz o menino num mundo de descobertas sem fim. Literatura, amor, sexo, vida. Don Gregorio é um mestre exemplar. Ao aposentar-se, faz um discurso que exalta a importância da liberdade. É o que ensina a Moncho, usando a língua das mariposas. É claro que existem serpentes nesse paraíso. O bêbado que mata o cachorro da meia-irmã de Moncho, com quem mantém relações sexuais (e o animal perturba sua concentração). A principal serpente, porém, é o franquismo. É a época da Guerra Civil. Existem os republicanos e os monarquistas. Guardadas as diferenças, de alguma forma (sobre)vivem em equilíbrio. E aí a República é derrotada. Os franquistas instalam-se no poder. Promovem um verdadeiro festival de retaliações. Cuerda fez um filme que é, em boa parte, idílico. Belas cores, imagens da natureza. Mas não se pode dizer que ele falsifique a realidade. Ao amor idealizado do irmão - e todo o episódio da chinesa é muito delicado, muito bonito -, superpõe-se o puramente carnal da meia-irmã. Desta maneira não se pode dizer que Cuerda, que se baseou em histórias de Manuel Rivas no livro "Qué me Quieres, Amor?", esteja criando um mundo puramente idealizado. Mesmo assim, os 10 ou 15 minutos finais são duros. É quando o professor vai preso. O que ocorre nesse desfecho completa o ciclo iniciático de Moncho. Ele ingressa num mundo de covardia e humilhação, que é a maneira como o diretor vê a herança de Franco em seu país. Não apenas "A Língua das Mariposas", mas o recente "O Espinhaço do Diabo", de Guillermo Del Toro, também revolve nas feridas do franquismo. A crença nesse regime assassinou quantos Monchos? O movimento final do protagonista para se tornar um homem medíocre, um conformista, só poderia provocar em Fernán Gómez aquele olhar. É um grande ator que prescinde de palavras. Com ele, como queria Nicholas Ray, o cinema vira a melodia do olhar. Serviço - ?A Língua das Mariposas? (Le Lengua de las Mariposas). Drama. Direção de José Luis Cuerda. Esp/99. Duração: 96 minutos. 12 anos

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