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A história do Cine Belas

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ele foi um grande amigo do Brasil, um apaixonado pelas coisas brasileiras. Jean-Gabriel Albicocco chegou ao País nos anos 1970, para fazer Polichinelo, um musical que nunca foi rodado. Mas ele se apaixonou pelo País e aqui ficou. Foi o representante da Gaumont no País e reergueu das cinzas o Belas Artes, após o incêndio que destruiu as salas de São Paulo no começo dos anos 80. Também tentou fundar, nos 90, a Distribuidora Belas Artes, sempre fiel ao propósito de mostrar, no Brasil, o cinema de arte francês e, na França, ajudar a promover o cinema brasileiro. Foi, ainda, um decisivo animador do FestRio, trazendo caravanas de artistas e diretores europeus para abrilhantar o evento. No momento em que se fala no retorno do Belas Artes, é bom lembrar essa figura hoje um tanto esquecida. Filho do diretor de fotografia Quinto Albicocco, Jean-Gabriel nasceu na França em 1936 e morreu no Rio, em 2001. Era diabético e sofria de erisipela. A doença agravou-se, os médicos falavam em amputar-lhe o pé. Morreu de infecção generalizada. Na França, amigos subscreveram uma lista para pagar-lhe as despesas hospitalares. Tinha 65 anos. Foi cremado e as cinzas jogadas do Pão de Açúcar.

Após a sessão da meia-noite, a jovem intelectualidade paulistana ficava ali, discutindo a arte revolucionária da época Foto: Reprodução

Embora tenha surgido no começo dos anos 1960, quando a nouvelle vague ditava as cartas no cinema francês, Jean-Gabriel não se identificou com o movimento. Especializou-se em adaptações literárias e se preocupava tanto com a beleza das imagens que terminava por descuidar do resto. Mas fez filmes de projeção, como A Garota dos Olhos de Ouro, com Marie Laforet, e foi guerreiro na tentativa de mudar o circuito exibidor brasileiro. Quis ser o homem da empresa Gaumont no Brasil. Quando o antigo Belas Artes, fundado em 1967, pegou fogo, ele não apenas reconstruiu o cinema como estabeleceu o formato de múltiplas salas. Para ele, o conjunto seria acoplado a um outro conceito de uma distribuidora, também chamada de Belas Artes, destinada à promoção do cinema europeu, e do francês em particular. A distribuidora não vingou, mas o cinema, sim. André Sturm terminou assim indo a bandeira, fundou suas distribuidora, a Pandora, e o Belas Artes fez história como espaço de exibição de arte em São Paulo. Na história última sessão do conjunto, em 2011, um aficionado, o arquiteto Ricardo Ohtake, não viu filme nenhum. Permaneceu no lobby, lembrando de quando o Belas Artes ainda não era o Belas Artes. Nos anos 1960, a Rua da Consolação só subia. Não havia a segunda pista e a frente do cinema tinha uma extensão de calçada. Sexta-feira à noite, era sagrado. Após a sessão da meia-noite, que terminava por volta das 2 da manhã, a jovem intelectualidade paulistana ficava ali, discutindo a arte revolucionária da época. Godard, Godard, Godard. Quem nunca foi jovem nem nunca quis mudar o mundo talvez não entenda. "Mesmo quando não havia visto os filmes, a gente se encontrava para conversar, discutir, trocar ideias. Era um point. " Muita coisa mudou com o tempo. Mas foi aquele espírito do primeiro Belas Artes que Jean-Gabriel Albicocco quis recuperar e André Sturm e a filha Bárbara, que administrará e fará a programação do novo Caixa Belas Artes com ele -, buscam preservar.

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