"A Essência da Paixão" estréia em SP

O filme é inspirado no romance The House of Mirth, de Edith Wharton. O diretor, Terence Davies fala em entrevista que apesar do livro ser de 1905 fala da sociedade atual: cultiva o dinheiro como valor supremo e acredita na aparência como estilo de vida

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Por Agencia Estado
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Alguns críticos não escondiam sua insatisfação quando A Essência da Paixão, de Terence Davies, inaugurou o Festival do Rio BR 2000. Não entenderam nada. O filme que estréia amanhã é muito bom. Eles esperavam, com certeza, que Davies continuasse fazendo obras como Vozes Distantes e O Fim de um Longo Dia. De Londres, pelo telefone, o diretor avisa que, se aquele era o Terence Davies que preferiam, podem dizer-lhe adeus. Aqueles filmes são passado para ele. A Essência da Paixão aponta para o seu futuro. "Quero mudar, quero surpreender", diz Davies. Há muito ele admirava o romance de Edith Wharton, a autora que forneceu a Martin Scorsese o material para A Época da Inocência. Edith, contemporânea de Henry James, criou o que o diretor chama de tragédia moderna. Num mundo de impiedosa hipocrisia, Lily, a protagonista do filme, sofre de um mal social sem remédio - é pobre. Sua chance de sobrevivência (e de ascensão social) liga-se a um gesto do qual se considera incapaz - terá de trair o homem a quem ama. O processo de degradação não é só social, mas físico. Davies filma a decadência de Lily com uma dureza surpreendente, considerando-se seus filmes anteriores. Ele agradece aos céus pelo fracasso de Memórias. É o primeiro a defender seu filme americano com Gena Rowlands, mas The Neon Bible (título original) não agradou ao público e também não teve uma acolhida espetacular de crítica. Davies hesita em considerar Memórias um fracasso (a faillure). "Era uma obra de transição, isso sim; estava começando a mudar; se não tivesse feito aquele filme talvez não conseguisse chegar agora a A Essência da Paixão. Foi um caso de amor à primeira leitura. Há muito tempo ele leu The House of Mirth (título original). Imediatamente, percebeu que ali estava o material para o filme que queria fazer. Críticos como William Crary Brownell, que também foi o editor dos primeiros livros de Edith, consideram The House of Mirth a obra-prima da escritora. Edith foi criada na alta sociedade de Nova York e sua vocação literária manifestou-se tarde - depois de anos de casamento infeliz com o bostoniano Edward Wharton. John Updike, autor de Corre, Coelho, chega a sugerir que a origem dos romances da autora está na sua insatisfação conjugal. "Ela foi uma heroína das feministas", lembra Davies. A personagem de Lily Bart com certeza contribuiu para essa reputação de Edith. Amiga de Henry James, admiradora de Marcel Proust - chegou a escrever, quando ele morreu, que seu dom de romancista "provavelmente jamais será superado" -, Edith transformou o estilo num sacerdócio, recusou a sociedade hipócrita do Novo Mundo e mudou-se para a Europa, onde, ao contrário de James, permaneceu obscura. Feministas como Betty Friedan vêem no fato de elas ter sido ofuscada por James um sinal do intolerável predomínio machista. Davies acrescenta que, embora o livro tenha sido publicado no começo do século passado (1905), continua atualíssimo. "A sociedade do livro, como a do filme, cultiva o dinheiro como valor supremo; acredita na aparência como estilo de vida - é ou não é o que se verifica hoje?", pergunta. Por isso mesmo ele quis fazer A Essência da Paixão. Pela tragédia da personagem feminina, pela atualidade da crítica social. Davies ama a escrita de Edith. Trabalhou oito meses - sozinho - na adaptação. Diz que o problema não era só narrar a história contada por Edith. Também era uma questão de tom. Tinha de achar, na imagem, uma forma de expressar as densidades e sutilezas da escritora. E queria conservar seu linguajar formalista, sem cair no pedantismo. Foi a parte mais difícil, confessa. Oito meses de escrita, nove semanas de rodagem. "Não tive muito tempo nem dinheiro para um projeto tão grande", diz o diretor, que trabalhou com exíguos US$ 8 milhões de orçamento, bancados pelo Channel Four. Fez o filme mais suntuoso - afinal, é uma produção de época - que se poderia conseguir com esse dinheiro. Credita o feito à equipe. "Todo mundo se empenhou a fundo, deu sangue e criatividade para multiplicar os recursos minguados." Para Gillian Anderson, de Arquivo X, que faz Lily, só tem elogios. "Ela não tem só o tipo físico de uma mulher daquela época; aliás, foi o fator determinante para a sua contratação; Gillian percebeu que era um papel importante para ela e foi fundo na tragédia de Lily." O filme, assegura o diretor, não seria a mesma coisa sem ela.

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