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"A dama de Shangai" sai em DVD

Por Agencia Estado
Atualização:

Se você é cinéfilo e for fazer uma lista dos dez filmes mais importantes de todos os tempos, com certeza, porá Cidadão Kane, de Orson Welles, entre os primeiros, senão, em primeiríssimo lugar. Mas, se o critério for outro, o filme mais amado, o preferido, aí, outro de Welles tem mais chance de chegar ao topo. É A Dama de Shangai, o tributo de Welles à então mulher, Rita Hayworth. Pode não ser tão fundamental para a (r)evolução da linguagem cinematográfica, como foi Kane, mas é ainda mais audacioso e criativo. Um filmaço que a Columbia Home Vídeo pôs no pacote de novembro, mas só na metade deste mês chegou às lojas especializadas, no formato DVD. Além do som remasterizado, da alta qualidade da imagem e das tradicionais seleção de cenas e escolha de legendas, o disco traz um monte de extras. Trailer, notas sobre a produção e o elenco e o mais precioso de tudo - um making of com comentário do crítico e diretor Peter Bogdanovich, autor de um livro maravilhoso sobre Welles. Pode ser que não seja tudo, e não é mesmo, mas boa parte do que você queria saber sobre A Dama de Shangai está ali. O problema, como quase sempre, é que esses extras não têm legendas. Ainda são raros os lançamentos que trazem os extras legendados - a Columbia fez isso com Gladiador, de Ridley Scott, riquíssimo em badulaques cercando a narrativa do filme, propriamente dito. É até um dos fatores que, com o preço do aparelho, ainda tornam o DVD um produto elitista. Para ter acesso aos extras, você precisa ter, em geral, bom domínio do inglês, o que, evidentemente, é o caso de poucos. Rita, na grande fase, foi uma mulher esplendorosa. Pouco antes de A Dama de Shangai, havia feito Gilda, de Charles Vidor. A publicidade da época anunciava - "Nunca houve uma mulher como Gilda". Curiosamente, Gilda está sendo lançado em DVD no mesmo pacote. É o caso de exagerar um pouco e dizer - nunca houve uma mulher como Rita. Mas o que Welles fez com ela desconcertou meio mundo. Foi até o motivo pelo qual o filme, feito em 1946, teve tantos problemas e até demorou para ser lançado. O magnata do estúdio, Harry Cohn, achava um despropósito o que Welles havia feito com Rita. Há gente que jura que o tributo, na verdade, foi um ato de vingança. O casal não vivia bem e separou-se em seguida. Estaria aí a origem do tratamento que Welles dispensou a Rita. Ele transformou a deusa ruiva da Columbia, o maior mito sexual da época, numa loira de cabelos curtos e, como boa femme fatale, com a maldade na alma. Welles conta no livro com a entrevista a Bogdanovich que Rita não era a primeira escolha para o papel. O filme, segundo ele, teria sido escrito para uma atriz que nunca estourou - Barbara Laage, a mesma que fez O Corpo Ardente, com Walter Hugo Khouri, no Brasil. A Dama de Shangai baseia-se num livro de Sherwood King. Welles faz o aventureiro irlandês que salva a sedutora Rita de um ataque no Central Park, em Nova York e parte com ela, o marido, interpretado por Everett Sloane, e o sócio deste último numa viagem de iate. O caso culmina em traição e morte, pois Welles, desde Kane, como sabem os fãs, sempre fez da manipulação um dos temas preferidos dele (senão "o" preferido). O personagem-típico de Welles, o mais característico, é sempre um manipulador, bastando citar, além de Kane, o mr. Arkadin, de Grilhões do Passado, ou o velho que contrata o marinheiro para reviver a história de amor de juventude no belo A História Imortal, adaptado de Isak Dinesen. Aliás, é curioso destacar como Welles, que sonhou, certa vez, adaptar Joseph Conrad, era atraído por essas histórias do mar e de marinheiros. Ele queria fazer Moby Dick e, quando John Huston se preparava para dirigir a versão do livro famoso de Herman Melville, ofereceu-se, incondicionalmente, para qualquer papel, pelo prazer de participar do projeto. Ele criou o padre que prega o sermão na cena inicial, um momento prodigioso, pela arte do ator. Se há um filme em que a câmera é a estrela é esse. Em Kane, Welles surpreendera com ângulos bizarros e com o uso do chamado campo total, uma invenção que, antes dele, o fotógrafo Greg Tolland tentara praticar com outros diretores, dando aos objetos no fundo da cena a mesma visibilidade daqueles situados no primeiro plano. A câmera de A Dama de Shangai nunca é menos do que prodigiosa, percorrendo os lugares mais insólitos - um aquário na cena de amor, por exemplo. É um dos motivos pelos quais o filme virou objeto de culto, principalmente entre diretores, que o consideram uma espécie de Bíblia. De nada adiantaria se esse brilho e inventividade visual se esgotassem só nisso. Mas não - há também a dramaturgia. A Dama de Shangai não deixa de se inscrever na tendência chamada de film noir, um estilo, mais que um gênero, baseado numa concepção plástica e numa idéia de mundo - em que luzes e sombras revelam a tragédia de homens enganados por mulher, de homens e mulheres enganados por aparências. Toda a arquitetura dramática do filme converge para a galeria de espelhos, um recurso que foi, muitas vezes, imitado, sem nunca atingir a eficácia de Welles. Rita multiplicada nos espelhos não é só um efeito visual. Elimina-se aí a profundidade de campo, que o ator e diretor tão bem usou no filme-marco, Kane. A Dama de Shangai é extraordinário. Só para concluir - o iate do filme faz parte da lenda hollywoodiana. É o Zaca, que pertencia a Errol Flynn e que teria sido o local dos encontros amorosos do rei da aventura com o dândi Tyrone Power. A Dama de Shangai (The Lady from Shangai) - EUA, 1946. Direção de Orson Welles, com Rita Hayworth. Columbia Home Vídeo. Já nas locadoras e lojas especializadas, R$ 35.

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