A Dália Negra, de De Palma, abre competição em Veneza

O filme causou furor por sua protagonista Scarlett Johansson, mas nas sessões em que foi apresentado para a imprensa viu-se recebido com certa frieza

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Por Agencia Estado
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Primeiro concorrente do festival, primeira musa a desembarcar na laguna veneziana: "A Dália Negra" de Brian De Palma, já fez furor no Lido, em especial por sua protagonista Scarlett Johansson. O filme nem tanto. Nas sessões em que foi apresentado para a imprensa, viu-se recebido com certa frieza. Não houve os aplausos que Brian De Palma deve receber na sessão de gala. Nesta, aliás, aplausos e homenagens são de rigueur. Vale mesmo é a reação dos jornalistas e do público comum que nada têm a ganhar ou a perder com os filmes. Gostam deles ou não. Deve-se dizer que este belo filme de De Palma passa mesmo uma certa frieza. Bebendo no noir de James Ellroy, o diretor visita a Los Angeles dos anos 40, onde ambienta a sua trama policial recheada de ambigüidades e mulheres fatais, que exibem sem muito pudor sua vocação para a, digamos assim, experimentação sexual, fumam com piteira e manipulam homens como se fossem fantoches. Na entrevista, Ellroy disse que trabalha com uma trama de desespero e redenção e visita temas que lhes são recorrentes desde o assassinato de sua mãe, em 1968. Disse também que gosta de se reportar aos anos 40, quando os Estados Unidos saíam de uma guerra, afirmavam-se como nação dominante, mas, ao mesmo tempo, enfrentaram uma época de grande corrupção interna. "Apesar de tudo, havia, naquele tempo, homens e mulheres com fibra suficiente para levar seus desejos até o fim", disse. Brian De Palma concorda com o escritor. "São personagens fantásticos. Posso reencontrá-los graças ao texto de Ellroy." Esses personagens tão atraentes para o escritor como para o diretor parecem recortados de um daqueles velhos filmes estrelados por Humphrey Bogart e Laureen Bacall. Ou Rita Hayworth. No entanto, Scarlett Johansson diz que não se inspirou particularmente em nenhuma atriz para compor a sua personagem: "Tentei construí-la a partir da história proposta, e não contaminá-la com referências do passado." Tanto purismo não tem contrapartida na proposta de De Palma, toda cheia de referências à tradição cinematográfica. A história não apresenta novidades a princípio, mas depois se enrola sobre si mesma como uma cobra, até tornar-se virtualmente um quebra-cabeças. Fala de dois amigos policiais, Bucky Bleichert (Josh Hartnett) e Lee Blanchard (Aaron Eckhart). Entre os dois, Kay Lake (Scarlett). Mas em seguida se introduz novo elemento nesse triângulo: a mais do que fatal Madeleine Linscott (Hilary Swank). A trama é movida pelo terrível assassinato de uma starlet de vida duvidosa, uma sósia de Madeleine. Kay também é sósia da partner da estrelinha pornô em um filme de circulação restrita. Tudo vai formando um mosaico, um complicado jogo de espelhos. Qualquer cinéfilo pode se divertir achando as relações estabelecidas por De Palma, a começar por Hitchcock, passando pela "Dama de Shangai", de Welles, mas, a esta altura do campeonato, isso já parece um exercício pífio. Todo mundo sabe que DePalma constrói a sua gramática servindo-se de elementos alheios, quer dizer, de traços do cinema que admira. Interessa mais compreender a construção do seu filme e também curtir os momentos de virtuosismo cinematográfico, por exemplo, magníficos planos-seqüência, como aquele do assassinato de um dos personagens, que tomba pelo fosso de uma escadaria em queda espetacular. A "Dália Negra" é filme que se vê com prazer, mas deixa um fundo de insatisfação. Não consegue, de fato, penetrar na essência do mundo noir proposto pelos grande filmes de Huston, Hawks e Dymitrik. Nestes, havia uma autenticidade, uma pungência que já reaparece desgastada na reciclagem de De Palma. Polêmica A grande polêmica até agora não bateu na tela do festival, mas fora dela. Veio de diretor da mostra veneziana, Marco Müller, que declarou aos jornalistas que a nova mostra de Roma será feita com filmes rejeitados em Cannes e em Veneza. Não disse dessa maneira, mas assim foi entendido: o novo festival romano, que acontece pela primeira vez este ano, no mês de outubro, será formado por refugos de mostras mais importantes. E a declaração assim foi entendida em Roma. O próprio prefeito Walter Veltroni saiu em defesa da sua mostra e disse que a declaração de Müller era uma ofensa a todo o cinema. Destacou que não queria polemizar com Veneza, que Roma queria fazer algo diferente da sua irmã mais velha: "Uma mostra mais ligada à indústria, financiada pela iniciativa privada, sem um centavo de ajuda estatal." Pronto. Com essa troca de gentilezas acabaram-se as boas maneiras praticadas até agora. E as farpas serão mais afiadas se a experiência em Roma der resultado e o festival crescer nos próximos anos. Dificilmente um país suporta a existência de dois festivais de grande porte.

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