"A Copa" é uma lição de budismo

A produção do Butão e da Austrália é dirigida por Khyentse Norbu, que vence o desafio de encontrar a maneira de usar o corpo para falar da mente, de usar o futebol para explicar - de forma não didática - a essência do budismo

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Por Agencia Estado
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Houve grandes filmes sobre futebol. E sobre o fascínio da Copa do Mundo. Todos os Corações do Mundo é um belíssimo documentário de Murilo Salles. E não se pode esquecer de Meu Nome É Joe, de Ken Loach, com Peter Mullan como o desempregado que treina um time de várzea, no qual os jogadores usam as camisetas da mítica seleção brasileira de 1970, que ganhou o tri. Mas nunca houve um filme de futebol como A Copa, que já está nas locadoras e lojas especializadas, num lançamento simultâneo de DVD e vídeo. A Copaficou famoso como o primeiro filme do Butão, um pequeno país encravado entre a China e a Índia. Pelo Butão, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano passado. Perdeu, mas era o ano de Tudo sobre Minha Mãe e Pedro Almodóvar era um candidato imbatível. Embora butanês, A Copateve capitais de outros países, como a Austrália. O diretor Khyentse Norbu quis fazer e, na verdade, conseguiu, o que parecia impossível. Falar sobre o budismo por meio de uma história de futebol. Por que impossível? Porque o futebol se constrói no físico dos jogadores, por mais que certas jogadas possam resultar da elaboração intelectual. A ginga, a finta, o drible, o gol - o que há de mais físico do que essa explosão de vitalidade que, do gramado, ganha a galera na arquibancada e faz a festa das torcidas? No outro lado, o que mais internalizado do que o budismo? O sistema ético, filosófico e religioso criado por Sidarta Gautama consiste em buscar, pela conquista do mais alto conhecimento, o domínio da mente que garante o acesso ao nirvana. O físico e o intelecto. O corpo e a mente. Mesmo sendo um grande diretor (O Conformista, Último Tango em Paris, o próprio Assédio), Bernardo Bertolucci assinou seu pior filme ao tentar, com O Pequeno Buda, decifrar, para o espectador ocidental, o mistério do budismo. Khyentse Norbu, que pertence a uma família budista tradicional, consegue o sucesso onde seu colega famoso falhou. Mas o que são o sucesso e o fracasso senão as duas faces da mesma moeda? O desafio, vencido por Norbu, foi encontrar a maneira de usar o corpo para falar da mente, de usar o futebol para explicar - de forma não didática - a essência do budismo. É durante a Copa de 1998, na França, que se passa A Copa. Longe, bem longe dos gramados franceses, a narrativa trata da paixão dos rapazes de um rígido mosteiro da Ásia pelo futebol. Eles querem assistir aos jogos. Fogem, envolvem-se em encrencas, que ora são divertidas, ora mais graves e sempre, ou quase sempre, delicadas e emocionantes. A aspiração maior dos protagonistas é assistir à partida final da Copa, mas surge um empecilho e... Para o espectador ocidental, A Copaassemelha-se a um anticlímax. Mas é justamente esse o ponto, diz o diretor do desfecho. O sentido da vida não está no objetivo a ser alcançado mas no meio, o exercício ético desenvolvido nessa, às vezes difícil, jornada. Norbu trabalhou com amadores. O encanto de seu filme deve muito a Jamyang Lodro, o garoto que interpreta Orgyen fã de Ronaldinho. A Copa. Butão/Austrália, 1999. Distribuição FlashStar. Nas locadoras e lojas, em vídeo e DVD (R$ 35)

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