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‘A Comunidade’ tem momentos fortes e pungentes - e a admirável Trine Dyrholm

O filme é sobre como a dinâmica do grupo pode destruir a individualidade

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Existem momentos muito fortes, pungentes, em A Comunidade, novo longa do autor dinamarquês Thomas Vinterberg que estreou na quinta, 1.º, nos cinemas brasileiros. Em Berlim, em fevereiro, A Comunidade participou da competição. Não levou o Urso de Ouro, mas Trine Dyrholm, que faz Anna, recebeu o prêmio de interpretação e o mundo todo viu a presidente do júri, ninguém menos que Meryl Streep, curvar-se perante a atriz da Dinamarca, num reconhecimento ao seu imenso talento. Em Cannes, outro ator de Vinterberg, em outro filme – A Caça –, também foi premiado, anos atrás. O diretor, ex-Dogma, desse jeito vai virar o preferido dos atores (e atrizes).

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Cenas fortes – uma morte, e ela metaforiza outra morte, a do sonho comunitário, e uma cena, em especial, de Anna/Trine. Ela insistiu para que o marido professor fosse morar na casa em que um grupo de amigos, agregando conhecidos, estabelece a base de uma vida em comunidade. O marido está ficando com uma mulher mais jovem e Anna, tentando salvar o casamento, o exorta a trazer a jovem amante para casa. Ela ri, um sorriso visivelmente forçado, porque por dentro está morrendo, e a situação ainda vai piorar. Por uma dessas coincidências de datas e distribuição, A Comunidade estreia no Brasil com Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, que tem causado, desde a manifestação da equipe – do grupo – em Cannes, todo esse rebuliço. Aquarius estreia para ser um dos melhores filmes do ano, e não apenas brasileiros. A Comunidade, também. Outro dos grandes filmes de 2016.

Um, coral, fundindo vários dramas, mas iluminado pela extraordinária interpretação de Trine Dyrholm. O outro, iluminado por outra atriz deslumbrante – Sonia Braga –, centrado no drama de Clara, na resistência de Clara, na luta de Clara. Mulheres. O universo de A Caça era mais masculino, Mads Mikkelsen acusado de abusar daquela criança, via sua vida desmoronar. Agora, dentro do grupo, é a vida de Anna que desmorona. De novo, Vinterberg trabalha com o roteirista Tobias Lindholm, que vem sendo seu parceiro desde Submarino, em 2010. Mais até que A Caça, A Comunidade é um filme duro. Ao repórter, em Berlim, o diretor contou como esse filme nasceu de suas lembranças de infância. Vinterberg criou-se numa comunidade como a do filme, à qual seus pais aderiram em Copenhague, nos anos 1970.

O filme é sobre como a dinâmica do grupo pode destruir a individualidade. Há uma cena de refeição, durante a qual Anna será arrasada. Nós, o público, a vemos afundar-se, mas há outra testemunha – a filha adolescente, Freja, que talvez seja a única a ver a comunidade pelo que é, não pelo que os seus integrantes gostariam que fosse. O começo é festivo. Vem aquele grupo pela rua. Gente bela, alegre, disposta a subverter códigos. Paga-se um preço por isso. Anna vira um emblema. Ao repórter, também em Berlim, Trine disse que o problema de Anna é fingir ser o que não é. Aquela mente aberta é uma fachada. Na verdade, mais que simples, ela é simplória, está com medo de perder o marido. Propõe reparti-lo, e é o primeiro passo para a ruptura da união.

De diferentes formas e perspectivas, filmes como Aquarius e A Comunidade confrontam indivíduos e sistemas. Clara não está defendendo só o apartamento. É toda a sua vida que ela joga contra o poder da construtora. Sem ser maniqueísta, o filme delimita forças. O caso de A Comunidade talvez seja ainda mais complicado. Porque Anna vai se sentir massacrada dentro de um grupo que já é alternativo. A política dos afetos. Amores fragilizados, roubados. A Comunidade é outra prova de que, quando acerta, Vinterberg faz grandes filmes.

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