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A China na Mostra, de Mao à globalização

Em destaque, Still Life, vencedor do Leão de Ouro de 2006 do Festival de Veneza

Por Agencia Estado
Atualização:

La Cina È Vicina, A China Está Próxima, anunciava em 1967 Marco Bellocchio em seu filme, marco do cinema político italiano, que passa nesta terça-feira na Mostra (às 19 horas, no Unibanco Arteplex 4). Naquele mesmo ano, na França, Jean-Luc Godard fez A Chinesa, antecipando, no ano seguinte, o célebre Maio dos que sonhavam com a revolução. Há vários filmes bons de ver e comentar, amanhã, no maior evento de cinema de São Paulo (Juventude em Marcha, de Pedro Costa; O Sol, de Alexander Sokúrov; Luzes na Escuridão, de Aki Kaurismaki; Amigo de Família, de Paolo Sorrentino), mas é interessante debruçar-se sobre este verdadeiro caso chinês. Leon Cakoff gosta de lembrar o filme chinês que queria exibir na 1.ª Mostra, em 1977, um curta-metragem que selecionou por considerá-lo uma obra-prima do kitsch. Realizado em plena Revolução Cultural, Brotos não tem crédito de direção. É uma realização coletiva de camaradas cineastas que filmam essas criancinhas, vestidas para uma festa da colheita e que cantam, sob uma macieira - ?Os frutos são mais doces sob o comando do camarada Mao?. Leon, ingenuamente, como diz, achou que aquilo era contrapropaganda, mas a censura do regime militar tomou ao pé da letra o que era ridículo e proibiu Brotos, como obra perigosamente subversiva. Livro Vermelho de Mao Havia, nos anos 60, em todo o mundo, uma idealização da China e do Livro Vermelho do camarada Mao, que era considerado a Bíblia da Revolução (com maiúscula). Nós que amávamos a revolução, como diria mais tarde Ettore Scola no longa Nós Que Nos Amávamos Tanto, de 1974. A verdadeira história daquela idealização foi sendo recontada depois. Chen Kaige, como bom revolucionário, viu impassível o próprio pai ser publicamente humilhado pelos guardas da revolução, na rua. Anos mais tarde, exorcizou este fantasma de sua juventude fazendo Adeus, Minha Concubina, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Vidas foram destruídas, mas os crimes praticados em nome da ideologia (da ?Revolução?) muitas vezes foram vinganças mesquinhas de contra-revolucionários. Quarenta anos depois, a China comunista capitalizou-se. O dragão chinês despertou e os especialistas tecem loas aos números que apontam para o crescimento da China como economia de mercado, mas o cinema não faz uma idéia muito lisonjeira do processo. Basta ver o filme Still Life, de Jia Zhang-Ke, que passa hoje, às 19h40, no Espaço Unibanco 3 e amanhã às 17h30, no CineSesc. É um filme sobre a demolição do comunismo na China para a criação do modelo de sociedade globalizada que o autor mostrou em seu filme anterior - O Mundo, sobre aquele parque temático em Pequim, que venceu o prêmio da crítica no ano passado. Still Life venceu o Leão de Ouro de 2006 do Festival de Veneza. Do próprio Zhang-Ke, você pode ver, também amanhã, às 22h10, no Arteplex 3, o documentário Dong, que ele fez na mesma região em que filmou Still Life, usando um artista (o pintor Liu Xiao-dong) para interferir na dura vida dos operários que trabalham no dique que vai alagar a região das Três Gargantas. E também amanhã, às 19h40, no CineSesc, logo após Still Life, passa Summer Palace, de Lou Ye. O que ocorreu com os jovens que fizeram o protesto da Praça da Paz Celestial, marco transformador da história chinesa? A China está próxima, mas não no sentido que Bellocchio pensava, há 39 anos. Integrada ao mundo globalizado, a China está agora próxima pelos problemas que Zhang-Ke e Lou Ye filmam de forma tão crítica.

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