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'50 Tons de Cinza' traz o velho clichê dos opostos se atraindo

Filme estreou em salas de todo o Brasil nesta quinta-feira, 12

Foto do author Daniel Martins de Barros
Por Daniel Martins de Barros
Atualização:

Nosso cérebro é uma incansável máquina de classificar, está o tempo todo tentando categorizar automaticamente tudo o que vê pela frente: é bom ou mau, claro ou escuro, bonito ou feio, pequeno ou grande? Que cor? Qual espécie? Para que serve? Quando nos deparamos com algo que não é facilmente classificável, ou que por algum motivo fica no limiar entre uma ou mais categorias, ficamos intrigados. O conflito criando em nossa mente prende a atenção e coloca o pensamento em looping tentando decifrar o mistério. Esse é, para alguns, o motivo de os monstros serem tão bem sucedidos na ficção. Sendo ao mesmo tempo mortos e vivos, humanos e animais, visíveis e invisíveis, eles atiçam nossa curiosidade.

Eis o ingrediente secreto por trás do sucesso de 50 Tons de Cinza. O protagonista, Christian Grey, é um desses seres. Jovem, rico e solteiro, mas avesso a qualquer envolvimento afetivo. Gentil e sedutor, mas frio e manipulador. Bonito e um expert sexual, mas cruel e sádico. E agora? Torcemos por ele ou contra ele? Seria um monstro? A tensão bastaria para apelar a nosso cérebro.

Jamie Dornan e Dakota Johnson Foto: Charles Sykes/Invision/AP

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Mas a fórmula não para por aí. A mocinha da história, sua escolhida, é Anastasia Steel, em tudo o oposto do Sr. Grey. Sem dinheiro, inexperiente, desajeitada, romântica, aguardando o homem certo para se entregar. Ele tem vários carros caros, ela só um Fusca. Em oposição aos seus ternos impecáveis, sua roupas parecem andrajos. E enquanto o rapaz é quase um profissional do sexo, ela é virgem. Pronto. O velho clichê dos opostos se atraindo, lutando ao longo das duas horas de filme para se entenderem, mobilizam a torcida da plateia acrescentando um toque infalível no caminho para um blockbuster. Não é um ingrediente secreto. Mas mesmo manjada, a fórmula funciona.

E como se não fosse suficiente, o filme – preparando caminho para as continuações do que promete ser uma longa trilogia – nos deixa com a aflição da tarefa incompleta. Como em qualquer relacionamento, uma vez que os protagonistas passam a interagir eles vão se modificando mutuamente. Se Anastasia aceita experimentar um pouco dos jogos do Sr. Grey, este parece dar sinais de estar se abrindo para o afeto. Com isso o filme nos provoca a pensar e repensar sobre seu estado híbrido de mocinho-e-bandido – será que ele deixará esse limbo existencial, e, transformado pelo toque do amor abandonará sua frieza? Assim como no primeiro livro, contudo, a resposta não vem. Como num episódio de Lost, ficamos curiosos, gostemos ou não do que vimos na tela.

Os personagens são superficialmente caracterizados. O enredo é simplório. As cenas de sexo são provocantes, parando logo antes de se tornarem explícitas. Junte tudo isso e coloque na esteira dos milhões de livros vendidos e temos um recorde de bilheteira. Ou três.

DANIEL MARTINS DE BARROS é psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), onde atua como coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (Nufor). Doutor em Ciências e bacharel em Filosofia, ambos pela Universidade de São Paulo (USP)

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