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30 anos de 'Caderno 2': Em 3 décadas, produzir cinema tornou-se mais democrático

Crise dos anos 1980 havia dizimado a produção comercial da chamada Boca do Lixo

Por Tata Amaral
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O ano de 1986 foi marcante para mim: marcou a estreia de meus dois primeiros filmes, os curta-metragem documentários Poema: Cidade e Queremos as Ondas do Ar!, ambos em parceria com Francisco Cesar Filho. Poema: Cidade é um filme-ensaio com a poesia concreta e Queremos as Ondas do Ar!, um filme-panfleto pela liberdade nas telecomunicações. Sim, desde então, este assunto me ocupa. Desde então, eu e outros de minha geração passamos a desejar e lutar pela descentralização da produção de cinema, entendendo que ela deve refletir a riqueza da cultura do Brasil.

A crise dos anos 1980 havia dizimado a produção comercial da chamada Boca do Lixo, as grandes bilheterias dos filmes brasileiros da época áurea da Embrafilme não eram mais possíveis, os grandes cinemas de bairro fechavam, as vídeo locadoras oficiais e piratas ganhavam espaço na vida cotidiana dos amantes do cinema. A imprensa fazia oposição sistemática à Embrafilme e à produção nacional de longa-metragem – muito embora, dizem, nas raras vezes em que filmes brasileiros eram exibidos na televisão, obtinham grandes audiências.

Com o desmonte de toda a estrutura de apoio e incentivo à produção de cinema desde o primeiro dia do governo Collor, pouquíssimos filmes brasileiros chegaram às telas nos primeiros anos da década de 1990. Em 1995, às vésperas de filmar Um Céu de Estrelas, assisti ao filme da Carla Camurati, Carlota Joaquina – Princesa do Brazil. Foi um espanto, no melhor sentido da expressão: o despojamento, a criatividade em realizar um filme divertido, crítico e de altíssima comunicabilidade. Representava não apenas a alegria de uma mulher da minha geração ter realizado um longa, como eu iria realizar nas próximas semanas, mas também o final do divórcio do cinema brasileiro com seu público. Lavou nossa alma!

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1996, um ano que não me esqueço: Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, e Um Céu de Estrelas, meu primeiro longa, foram os grandes premiados do Festival de Brasília e iniciaram uma nova fase do cinema brasileiro. A crítica nacional e internacional celebrou a novidade e os filmes viajaram para os quatro cantos do mundo. Um Céu de Estrelas é um projeto que envolve uma proposta de dramaturgia concentrada – expressão usada pelo roteirista Jean-Claude Bernardet – e o uso de nova tecnologia e minucioso desenho de produção. Com dois atores em uma única locação, o filme é uma adaptação do livro de Fernando Bonassi. Captado em película Super16mm, é um dos primeiros filmes a serem montados digitalmente, o que viabilizou sua produção com tão poucos recursos. O orçamento total de produção foi de R$ 230 mil, pouco até para a época.

2006: estávamos finalizando o filme Antônia. Percebi que havíamos criado um mundo, uma representação positiva e inédita da mulher negra da periferia: Preta – personagem interpretada por Negra Li –, como eu, quer viver da sua arte. Através da parceria com a O2 Filmes, pude levar o projeto à televisão e, sob a batuta de Guel Arraes, Fernando Meirelles e Jorge Furtado, passei por uma das mais interessantes experiências criativas da minha carreira: a adaptação de um projeto de filme para outra linguagem, no caso, uma série televisiva.

A relação entre cinema e TV é uma das mais produtivas e, agora com a Lei da TV paga e o projeto Brasil de Todas as Telas, novas possibilidades de produção de obras plurais e que representam as diversas caras, cores e sotaques do Brasil estão abertas, para um grande número de jovens cineastas, país afora.* TATA AMARAL É CINEASTA

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