Zeca faz um ''amontoado'' de canções para se dançar

Ska, rock, samba-funk e outros ritmos em misturas divertidas

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Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

As noites suingadas do projeto de baile de Zeca Baleiro têm nítidos reflexos no novo álbum do compositor. O Coração do Homem-Bomba Volume 1 (MZA Music), como evidencia o título, é o primeiro de uma dobradinha. Na função de homem-baile sem limites nem preconceitos, Baleiro cantou um punhado de temas e ritmos diversos e faz o mesmo no divertido CD: "Amor, solidão, saudade, sedução, loucura, crônicas deste tempo tecnológico e cínico", em levadas de ska, samba-funk, repente, ragga, reggaeton, rock, iê-iê-iê e muitas mais. Neste "amontoado de canções acumuladas ao longo dos anos", com a banda Os Bombásticos, ele assina novas parcerias com Chico César (Geraldo Vandré e Aquela Prainha), Joãozinho Gomes (Você É Má) e Zé Geraldo (Ela Falou Malandro). No segundo volume, que sai em novembro, tem canções com Wado, Kléber Albuquerque e Totonho. Além de uma maioria de composições próprias sozinho, Zeca "baileiro" tira do baú o sambão jóia Bola Dividida (Luiz Ayrão) e reinterpreta o manifesto anti-racista Alma Não Tem Cor (André Abujamra). São dois bons momentos do CD, que ganham arranjos revigorantes. O sambão se transforma radicalmente com aquilo que ele chama de "pop bósnio". O tema simbólico do Karnak é mais próximo do original num misto de xaxado, rumba e outras variações. O sacudido samba-funk Vai de Madureira é uma das que Zeca tirou do próprio baú. Feita para a volta das Frenéticas, no álbum de 2001, foi regravada em ritmo de samba-funk, com a dupla maranhense Criolina nos vocais. É uma nas quais exercita seu gosto pelo trocadilho ("se não tem água perrier eu não vou me aperrear"), que culmina na vinheta Aquela Prainha, cuja letra, entoada em paródia de canto lírico, diz: "Sabe aquela prainha lá do Ceará/ Onde íamos todo sábado à tarde/No fim da tarde ouvir o Black Sabbath?/ Pois é, degringolou, pois é, degringolou/Tá cheio de gringo lá". Outra vinheta, Aí, Beethoven comete esta infâmia: "Tem alguém aí, Beethoven/ Será que ninguém me ouve?" Eta nóis!!! No reggaeton Elas por Elas, com letra do gênero lista, de rimas um tanto forçadas, o refrão escorrega na prosódia. Em Você É Má, Zeca joga com adjetivos e verbos iniciados com a sílaba "ma" e repete um recurso de duplo sentido já presente no ska Você Não Liga pra Mim. "Você quer ser o meu mal/ Mas sabe que podia ser meu bem", diz nesta. "Você é má, mas pode ter um bem", reprisa na outra. Já disponibilizado no site de Baileiro há meses, o rock Toca Raul pega carona na levada de Como Vovó Já Dizia, é uma alfinetada bem-humorada nos que vivem pedindo música do "maluco beleza" nos shows dos vivos. Nega Neguinha é uma das melhores faixas de Pecadinho, primeiro CD de Márcia Castro, revelação baiana que faz a diferença nestes tempos com excesso de cantoras branquinhas "descafeinadas", como diz um colega. Sem ela, a gravação de Zeca perde muito da graça e do suingue. Em seguida, o homem-bomba, que explode de alegria no início, termina melancólico numa balada em homenagem a Vandré, dizendo que "os jornalistas querem saber/ O que houve com você/ Os urubus querem carniça". Perseguido pela ditadura militar o recluso Vandré há décadas abandonou a música. Há muito tempo deixou de despertar o interesse dos "urubus" e assentou em algum canto da memória dos saudosistas.

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