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Yoko gritava e a cuíca chorava

Na apresentação no Teatro Municipal, público cheio de VIPs vibrou com a performance mal ensaiada da viúva de Lennon

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

E Yoko caiu no samba. Acompanhada pelo grupo de Oswaldinho da Cuíca , ela terminou sua apresentação musical anteontem à noite, no Teatro Municipal de São Paulo, com um rebolado desengonçado, e ao final, jogou sua estola de plumas para a platéia e voltou para três demoradas reverências ao público. Só no sapatinho - Yoko gritava e a cuíca chorava. Yoko Ono fez um show para uma platéia coalhada de VIPs: estavam lá, entre outros, Tomie Ohtake e seus filhos Ruy e Ricardo Ohtake e alguns netos, Adriana Calcanhoto e Supla. No lado direito do palco, uma foto de Yoko criança com roupinha de marinheiro ficou projetada ao longo de todo o concerto. A performance de Yoko evocava, a todo momento, um fantasma onipresente: John Lennon. Ela começou a apresentação despindo-se de roupa e chapéu e ficando apenas com uma malha de dança. Depois, passou por dentro de um espelho quebrado. O público aplaudiu entusiasticamente o aquecimento da performer. Então ela ressurgiu de capuz, puxada pela mão de um assistente, como aqueles presos iraquianos de Abu Ghraib. No telão, ato contínuo, ia se materializando uma foto dela com John e o filho deles, Sean Lennon. A foto foi se dissolvendo até virar um detalhe da mata do Central Park, região onde viveram. No esquete Woman, uma imagem de uma mulher no telão (aparentemente, a própria Yoko) ameaça tirar o sutiã. Uma senhora na platéia implora: ''''Por favor, ela não vai soltar aquilo, vai?'''' Já para a performance ONOCHORD, foram distribuídos previamente na entrada do teatro lanterninhas pequenas com as instruções: para dizer I LOVE YOU, apertar uma, em seguida duas e em seguida três vezes. Uma variação Yoko do Código Morse. Mas todo mundo já estava apertando as lanterninhas muito antes de o show começar. ''''Quero lembrar de mim'''', diz Yoko. Um cemitério aparece no telão, Yoko de quepe de capitão de navio. Em seguida, ela se arrasta como uma mulher enlutada, coberta com um véu branco, pelo chão do palco do Municipal. Yoko geme e grita, em momento ''''trabalho de parto''''. Parece que não ensaiou as performances, vai improvisando e os músicos entram quando ela se dirige a eles, como uma maestrina. E de novo Lennon: no telão, surgem agora um par de óculos e um copo d''''água. ''''Eu quero lembrar'''', ela diz. As palavras-chave de seus manifestos são as de sempre: ''''Ouça seu Coração!'''', ''''Tenha coragem, tenha graça!'''', ''''Eles me roubaram!'''', ''''Nós estamos morrendo!''''. Finalmente, o samba: ela começou a dançar e até que não era das piores sambistas - tem muita ex-BBB que samba pior. Entusiasmou-se e parece mesmo que chegou à mesma conclusão de Caetano: ''''Eu sou neguinha?'''' Yoko então se voltou para a platéia e mandou beijinhos, no velho estilo chacrete. ''''Queria dizer que amo vocês'''', afirmou. Depois, deitada num colchonete no chão, ela se virou para o grupo de Oswaldinho da Cuíca (que reúne ainda dois filhos do instrumentista brasileiro) e despediu-se: ''''Obrigado, garotos! Foi muito bom.'''' No telão, mais uma vez, ficou aquele velho gosto de Lennon, com a mensagem ''''Imagine Peace'''' estampada. A ênfase discursiva faz pensar, por instantes, que é uma espécie de missa que ela celebra. Em alguns momentos, há um lirismo que até contagia na performance de Yoko. A grande perda dela foi, afinal de contas, uma perda de todos nós, e é o que nos segura nas poltronas do Municipal, evitando um êxodo completo. Mas sempre nos ocorre a questão: e se Lennon não tivesse sido morto por um lunático, mas sim abandonado Yoko com uma corista romena? Ela canta com imagens embaralhadas do passado no telão e parece que em algumas delas estavam a guarda britânica tentando dominar fãs enlouquecidos dos Beatles. Yoko vai lembrar para sempre, e obrigar alguns de nós a lembrar junto com ela.

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