Warhol pop

Ícone da modernidade, artista inspira exposição que valoriza seu processo criativo e comprova que dura mais de 15 minutos a influência mundial de sua arte

PUBLICIDADE

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil e VITÓRIA
Atualização:

Piercing na orelha, camiseta sem mangas, corte de cabelo de estilo indefinido, André Toledo e Cruz admira a serigrafia que Andy Warhol fez da atriz Jane Fonda. Aos 17 anos, o estudante ("Coloca aí que vou ser um grande arquiteto") pouco se importa com a fama dividida do artista americano, que ora é tratado como gênio (nivelado a Duchamp e Picasso), ora como embuste (comercial demais) - para ele, o que interessa é o resultado colorido em que se transformou uma simples fotografia. Mais de vinte anos depois de sua morte, Warhol (1928-1987), ícone da Pop Art, continua uma figura emblemática e polêmica. Motivado pela serigrafia, André e um bando de amigos se arriscam a fazer um trabalho semelhante, aproveitando um mini ateliê instalado na mesma sala do Museu de Artes do Espírito Santo, em Vitória, onde, desde quinta-feira, está aberta a exposição itinerante Andy Warhol - Arte e Práticas para o Dia a Dia. "O próprio nome da mostra já revela nosso propósito", explica a curadora americana Jessica Gogan, do Andy Warhol Museum, de Pittsburgh, responsável pela concepção da exposição. "A obra de Warhol estava centrada na prática de reinvenção do cotidiano, ou seja, ele buscava elementos que as pessoas comuns viam como banais para transformá-los em arte." Assim, no apertado mas aconchegante espaço útil do museu, os visitantes dispõem de pinceladas da vasta obra deixada por aquele que foi cineasta, fotógrafo, pintor, ilustrador comercial, produtor musical, escritor e até modelo, o mais pop artista plástico de todos os tempos, o homem cuja simples menção do nome faz lembrar uma celebridade de cabeleira branca. E, além de praticar a arte da serigrafia, as pessoas também poderão também xerocar todos os objetos que dispõem nos bolsos ou na bolsa, e ainda deixar gravados alguns minutos da própria imagem, experiência que acontece na sala na qual são exibidos os testes de filmagem que Warhol fez de amigos, nos anos 1960. Jessica acompanhou satisfeita a empolgação de André, dos amigos e das quase 500 pessoas que visitaram a exposição na noite de inauguração, a grande maioria formada por jovens. "Assim como eles, Warhol gostava de experimentar as novas técnicas, ciente de que fazia um tipo de arte que ficaria." De fato, o americano de família eslovaca, que começou como artista comercial, fazendo ilustrações para cartões de Natal, capas de discos e mapas do tempo para a televisão, tornou-se uma celebridade em 1962, quando expôs a série de latas vermelhas, inspiradas nas sopas Campbell. Em seguida, realizaria retratos de personalidades, como Marilyn Monroe, Jacqueline Kennedy e até Pelé. Outros nomes da arte pop surgiam na mesma época, como Rosenquist e Rauschenberg, mas Warhol tornou-se o papa do movimento justamente pela rara observação que transbordava de sua obra, ou seja, um comentário sobre a América consumista que influenciava o resto do planeta. "Warhol usou suas obras e práticas artísticas como estrutura para vivenciar, registrar, organizar e reproduzir o mundo ao seu redor", comenta Jessica. "E tudo era muito simples: bastava ligar uma câmera para produzir um filme, a foto de uma celebridade era base para uma pintura, e recortes de jornal e revista eram guardados em uma caixa de papelão, que se transformava em uma ?cápsula do tempo?." Parte de seu credo figura no livro A Filosofia de Andy Warhol (Tradução de José Rubens Siqueira, 272 páginas, R$ 43), lançado pela Cobogó. "Ele propunha a transfiguração do banal, a transformação de algo passageiro em extraordinário", comenta Luiz Guilherme Vergara, que também trabalhou na curadoria. "Ao se apossar de objetos cotidianos como fotografias, papel de parede, balões, e transformá-los em arte, Warhol mostrava como o homem é desatento com a realidade que o cerca." Daí a proposta da mostra em Vitória ser algo tão participativo, a ponto de transformar o museu em um espaço criativo e não apenas para contemplação de pinturas. Os curadores tomaram o cuidado de selecionar obras palatáveis ao grande público - daí as serigrafias de pessoas famosas como Jane Fonda, Lenin e Liza Minnelli, além de polaróides de Mick Jagger, Arnold Schwarzenegger e autorretratos de Warhol. E, por se tratar de uma exposição aberta a todas as faixas etárias, evitou-se prudentemente as obras de conotação sexual mais acentuada, como os filmes filosóficos-pornográficos interpretados por Joe Dallesandro. Ao se divertir fazendo serigrafia ou deixando sua imagem gravada, porém, o visitante desconhece que está reforçando a opinião dos principais críticos à obra de Warhol, acusado de substituir a criação pelo sensacionalismo, de supostamente transformar o marketing em arte; enfim, de transformar a Pop Art em uma vertente medíocre das propostas do dadaísmo. Jessica Gogan prefere evitar uma discussão que parece não ter fim para exaltar o incentivo da prática artística. "Warhol era um artista cuja criatividade não tinha limite, o que nem sempre era facilmente compreendido", diz ela, amiga da diretora do Museu de Artes do Espírito Santo, Leila Horta, cujo empenho facilitou ser ali o primeiro ponto brasileiro a receber a exposição. Em julho, quando terminar a temporada capixaba, a mostra deve seguir para o Recife e, provavelmente, Fortaleza. No ano que vem, deverá ser a vez do MAC de Niterói, no Rio. Em São Paulo, os curadores esperam ocupar a Pinacoteca, ainda sem data prevista. O repórter viajou a convite da organização da mostra

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.