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Vizinhos são destaque na programação

Atores e atrizes da Argentina e do Uruguai brilham na mostra gaúcha

Por Beth Néspoli
Atualização:

No segundo fim de semana, a programação do Porto Alegre em Cena, festival internacional de artes cênicas que começou no dia 10 e termina no dia 30, traz à capital do Rio Grande do Sul espetáculos como A Pedra do Reino, adaptação de Antunes Filho para o romance homônimo de Ariano Suassuna; A Gaivota, a releitura da Cia. dos Atores para o clássico de Chekhov; e O Fingidor, de Samir Yazbeck, entre outras boas montagens brasileiras. Traz ainda o bailarino argentino Julio Bocca, com Boccatango, um espetáculo no qual ele dança a coreografia criada por Ana Maria Stekelman acompanhado de orquestra e outros oito bailarinos ao som de composições de Carlos Gardel e Astor Piazzolla. Criado em 2001, o espetáculo já fez turnês pelo mundo e marca, ele anuncia, sua despedida da dança, que ocorrerá em dezembro. Para quem já conhece a programação brasileira, as surpresas teatrais ficam por conta dos países vizinhos. Primeiro foi o argentino Daniel Veronese, destaque da América nessa 14ª edição do festival com sua adaptação de Tio Vânia, de Chekhov, e Espía a uma Mujer que se Mata, com seis ótimos atores. Depois foi outro espetáculo portenho, Comunidad, a se destacar, adaptação de um conto de Franz Kafka, interpretado por seis atores masculinos. E, na noite seguinte, foi a vez do teatro uruguaio brilhar com o solo Madame Curie, da atriz Nidia Telles. Experiente, muito premiada em seu país, Nidia já percorreu festivais europeus com esse solo, dirigido por Jorge Curi, que tem como principal qualidade sua interpretação cativante. O texto de Mira Michalowska coloca em cena a jornalista americana Mary Melony, que faz uma conferência sobre a cientista polonesa Marie Curie (1867-1934), pioneira no estudo da radioatividade, ganhadora de dois Prêmios Nobel, em 1903 e 1911. Nidia Telles conquista o público já nas primeiras palavras - entra em cena falando como se continuasse uma conversa de amigos. Alia presença cênica com incrível empatia. E sabe explorar bem o recurso dramatúrgico que é o de quem está ali não para falar de si própria, mas para contar, com carinho e alegria, de alguém que admira, Madame Curie, a cientista, objeto de sua curiosidade como jovem repórter, de quem acabou se tornando amiga e colaboradora. Graças à jornalista Melony, vamos saber, Madame Curie chegou até à Casa Branca, onde recebeu oficialmente um grama de Radio, o elemento que precisava para seguir com suas pesquisas. Acomodado numa despojada sala da Casa Rocco - antiga confeitaria inaugurada em 1912, hoje um casarão tombado pelo patrimônio e transformado em centro cultural - o público já se distende nesse primeiro contato, pois se dá conta de que o ''''formato'''' não será o de uma conferência tediosa. A partir daí, acompanha-se, em deslocamentos por diversas salas, as andanças, descobertas e conflitos dessa cientista que sai de Varsóvia para estudar na Sorbonne, viaja para os Estados Unidos, envolve-se em escândalos, é amada e combatida. E Nidia ainda surpreende ao tirar óculos e chapéu para ''''se transformar'''' em Maria Curie por uma parte do espetáculo. Aparentemente despretensioso, é espetáculo a um só tempo informativo e lúdico, não por acaso criado para ser apresentado em bibliotecas públicas, que extrapolou sua origem. Bem diferente de conquistas femininas é a temática de Comunidad, baseado em conto homônimo de Kafka, a história de um homem que, sem motivo aparente, passa a ser rejeitado por sua comunidade e, mesmo fazendo esforços desesperados, não consegue mais ser aceito. O texto ganha transposição criativa e de forte teatralidade da diretora Carolina Adamovsky. Ao entrar no teatro, o público vê no palco seis homens, de terno, um ao lado do outro. Aos poucos, começam a conversar bem baixo, entre eles. Mal captamos uma palavra aqui, outra ali. Importa perceber aquela cumplicidade de amigos de bar, futebol e escritório: todos se entendem muito bem. Riem a valer de piadas que só eles compreendem, refletem, em uníssono, sobre temas aparentemente muito importantes, e até quando discordam acaloradamente, fica claro, discutem como amigos. Difícil imaginar, em meio a tal homogeneidade, qual deles será o rejeitado, já que o público sabe pela sinopse que isso acontecerá. Até que um deles ri além do tempo em que os outros riem de uma piada. A rejeição veio do tempo errado? Ou o tempo errado de humor já é sinal de desentrosamento? Não importa. A partir daí as conversas, as ações, tudo será feito de forma que um deles fica excluído. E esse, que até então era tão igual, sob o peso evidente da insegurança, começa a agir como tolo, inferiorizado ao implorar por aceitação. Tudo isso se percebe por ações cênicas, simples, como fumar ou fazer bolinhas de sabão. Uma transposição de palavras para a expressão cênica sem perda da idéia central, sem trair o autor. Mas só possível pela excelência dos seis atores que reúnem qualidades técnicas, de compreensão do que fazem e de domínio sobre a emoção na medida certa. A repórter viajou a convite da organização do festival

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